SDSU Faculty Profile - Dr. Victor M. Ponce - Hidrovia Report - Wetland Hydrology - Section 4 - Hydrologic and Environmental Impact




SEÇÃO 4

  IMPACTO HIDROLÓGICO E AMBIENTAL DA HIDROVIA NO PANTANAL MATOGROSSENSE


O Pantanal do Miranda-Aquidauana, Mato Grosso do Sul

O Pantanal do Miranda-Aquidauana, Mato Grosso do Sul.


Esta Seção avalia o impacto hidrológico do projeto Hidrovia no Pantanal Matogrossense, isto é, as mudanças no escoamento de água e sedimentos a serem esperadas como resultado da implementação do projeto. Uma análise de possíveis impactos a jusante e outros impactos ambientais relacionados é incluída nesta Seção.

A avaliação está dividida em quatro partes:

  1. Impactos no escoamento

  2. Impactos nos sedimentos

  3. Impactos no regime de cheias do rio Paraná

  4. Outros impactos ambientais relacionados.

Esta Seção analisa, interpreta e expande o assunto das seções precedentes. As fontes de referência estão listadas no Apêndice 1. As figuras e tabelas estão incluídas nos Apêndices 2 e 3, respectivamente.

4.1 Impactos no Escoamento

Os impactos no escoamento causados pelo projeto da Hidrovia no Alto Paraguai e no Pantanal Matogrossense podem ser considerados em quatro categorias:

  1. Mudanças no regime de cheias

  2. Mudanças no escoamento de base

  3. Mudanças no rendimento hídrico

  4. Mudanças no regime de secas.

Normalmente, os efeitos de mudanças naturais ou resultantes de ações antrópicas nos padrões de escoamento são sujeitas a avaliação através do uso de modelagem ma temática (i.e., computacional). Enquanto o uso de modelagem computacional é uma prática de rotina em bacias pequenas e de médio porte, é uma tarefa complexa- e frequentemente um pesadelo logístico- em bacias muito grandes, particularmente aquelas localizadas em regiões remotas e inacessíveis. A bacia do Alto Paraguai, com seus 496000 km2 (dos quais 145000 km2 localizados em território boliviano e paraguaio estão basicamente sem nenhum dado disponível), não é propícia à modelagem ma temática. Isso é devido a sua complexidade espacial incomum, que inclui alta sinuosidade de canal, numerosas bifurcações, transbordamentos sazonais e drenagens endorréicas e frequentemente confusas. Além disso, há uma grande abundância de macrófitas aquáticas nas águas de superfície, e uma ativa- e para todos os propósitos práticos, intratável- interação entre águas de superfície e águas subterrâneas.

A modelagem feita no início dos anos 70 pelo DNOS, com a assistência técnica do PNUD/UNESCO, provou ser um desafio (DNOS, 1974). O modelo SSARR (Streamflow Synthesis And Reservoir Regulation), desenvolvido pela North Pacific Division do U.S. Army Corps of Engineers, foi usado para modelar a resposta do Alto Paraguai ao "input" de precipitação distribuída na bacia (U.S. Army Engineer North Pacific Division, 1975). O objetivo foi o de desenvolver uma capacidade de previsão de cheias de tal forma que um alerta suficientemente antecipado pudesse ser dado na eventualidade de uma cheia extraordinária ou excepcional.

Com recursos limitados, o modelo continua a ser operado até essa data pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, no Rio de Janeiro. À luz da complexidade incomum do sistema do Alto Paraguai e o Pantanal adjacente, a capacidade de predição do modelo frequentemente cai abaixo da expectativa. A dificuldade parece ser a inabilidade do modelo de ajustar seus parâmetros em tempo real para levar em conta a vari abilidade da vazão (de canal, várzeas, e planícies de inundação). O SSARR é um modelo conceitual de escoamento, baseado em uma cascata de reservatórios lineares, enquanto o Alto Paraguai e o Pantanal adjacente tem distintos padrões de escoamento bi- e tridimensionais, somados a fortes interações não lineares entre vazões no canal e em planícies de inundação (Ponce, 1989). Essas interações não lineares resultam no pico de cheia sendo tipicamente acelerado durante cheias excepcionais e extraordinárias, retar dado durante cheias comuns e médias, e novamente sendo acelerado durante anos secos (Seção 4.1.1) (PORTOBRÁS, 1983).

Para complicar sua diversidade espacial, o Alto Paraguai está constantemente alterando seu leito para se ajustar a mudanças de descarga de água e sedimentos. Além disso, o rio está sujeito a controles geológicos (afloramentos rochosos e montes rochosos protuberantes) que condicionam o desenvolvimento de seu gradiente em uma escala de tempo geológica. Nenhum modelo matemático atualmente disponível é efetivamente capaz de levar em consideração todas essas características e suas variações. Este estudo fará uso de uma análise baseada em princípios estabelecidos de hidrologia e hidráulica fluvial para avaliar o impacto hidrológico da Hidrovia no Pantanal Matogrossense.

4.1.1 Mudanças no Regime de Cheias

A questão é se os melhoramentos propostos para a navegação no Alto Paraguai vão mudar o regime de cheias do rio e afetar o Pantanal Matogrossense. Os melhora mentos propostos para a navegação incluem retificação de canal através de realinhamentos e cortes, dragagem, remoção de soleiras rochosas e outros afloramentos rochosos, e a possibilidade de construção de estruturas de con trole hidráulico (IDB, 1995). Essas intervenções muito certamente causarão um impacto substancial no regime de cheias, cujo grau irá variar de pendendo do tipo e extensão da intervencão e da sua localização ao longo do rio.

Com o fim de avaliar o impacto, as necessidades da Hidrovia são contrastadas aqui com a natureza do rio. A Hidrovia precisa de um canal suficientemente reto, largo e profundo:

  • Suficientemente reto, para encurtar a distância de viagem (que poderia, por sua vez, reduzir custos de transporte), e para minimizar a necessidade de incômodas e prolongadas manobras em torno de curvas acentuadas (ao ponto de inviabilizar o tráfego de embarcações em comboio), e

  • Suficientemente largo e profundo, para permitir amplo espaço lateral e calado para a passagem segura de embarcações oceânicas ao longo do ano.

Enquanto as dimensões do canal de navegação proposto ainda terão de ser determinadas, um canal de 50 m de largura e 3 m de profundidade foi inicialmente considerado (CEBRAC/ICV/WWF, 1994). Ainda está sendo estudado se o requerimento de profundidade de 3 m será exigido em todo o percurso até Cáceres, o ponto mais à montante da Hidrovia.

Em contraste com o primeiro requerimento da Hidrovia, o rio traça um percurso sinuoso ou apresentando meandros (sinuosidade é definida como a razão entre o comprimento do rio e o comprimento do vale). A sinuosidade do Alto Paraguai varia tremendamente, de 2.93 de 40 km à jusante de Porto Conceição a Refúgio das Três Bocas, a 1.17 de Corumbá até a confluencia com o Taquari Velho (Tabela 1). No contexto de trechos individuais, a mais alta sinuosidade está nas vizinhanças de Porto Conceicão, onde as extremidades de um trecho de 50 km estão separadas por uma distância em linha reta de somente 13 km, i.e., uma sinuosidade de 3.85 (IN TERNAVE, 1990). Particularmente à montante de Corumbá, onde o rio é mais sinuoso, a retificação do canal certamente irá causar alterações substanciais no regime de cheias.

O efeito da retificação do canal no escoamento de cheias é avaliado através do exame do pico de cheia em Ladário, próximo ao centro do Pantanal (Figura 3). A Figura 8 mostra o gráfico da altura do pico de cheia versus a data de ocorrência em Ladário. A altura média do pico de cheia para todo o período de registro (1900-95) é de 4.45 m. O exame da Figura 8 conduz às seguintes conclusões:

  • Picos de cheias comuns (período de retorno menor que 2 anos) e médias (2 anos), com altura menor que 4.45 m são retardados para fins de Junho ou Julho, e em ca sos raros, para o início de Agosto.

  • Picos de cheias extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos), com altura igual ou maior que 4.45 m são antecipados para o início de Junho, Maio ou Abril, e em casos raros para fins de Março.

  • Durante anos de secas, o pico das cheias também é antecipado (para Abril, ou mesmo fins de Março), desde que a cheia é contida, na sua maior parte, nas margens do rio e assim é capaz de percorrer com mais velocidade.

Como está mostrado na Tabela 13 e na Figura 8, nos últimos 22 anos (1974-95), a altura mediana do pico de cheia para todo o período de registro foi excedida 19 vezes, i.e., 86 por cento do tempo! A dedução desse fato é que algumas cheias extraordinárias podem ser rebaixadas para cheias médias, possivelmente devido a mudanças na resposta hidrológica as quais podem já estar ocorrendo na bacia (Seção 4.1.4). Dessa forma, se conclui que durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos), a retificação do canal vai acelerar a concentração do escoamento e aumentar o pico da onda de cheia.

A sinuosidade reflete a tendência do rio de formar meandros, um processo natural que é condicionado pela sua descarga de água e sedimentos, declividade do canal e atritos de contorno (atrito de leito e margens). Um decréscimo na sinuosidade como resul tado de uma retificação de canal aumenta a declividade do canal, leva a mudanças na descarga líquida e sedimentos, e dispara ajustes morfológicos do canal em busca de um novo equilíbrio. Devido a heterogeneidade espacial, em muitos casos esses ajustes são difíceis de avaliar a priori. Todavia, é sabido que a sinuosidade é diretamente relacionada com a estabilidade do canal; dessa forma, uma redução na sinuosidade pode diminuir a estabilidade do canal (Blench, 1986).

Em contraste com o segundo requerimento da Hidrovia, o rio fornece sua própria largura e profundidade, uma função de sua descarga líquida e de sedimentos, declividade do canal, atritos de contorno e grau de controle geológico. A Tabela 1 mostra que a largura de topo, entre margens do Alto Paraguai varia de 120 m de Boca do Bracinho a Barra do Bracinho, a 600 m desde Barra do Nabileque à confluencia com o rio Apa. A Tabela 19, Coluna 3, mostra profundidades médias mínimas, as quais variam de 1.25 m em Cáceres a 8.83 m em Porto Murtinho (a profundidade média de uma seção transversal do rio é definida como a área de fluxo dividida pela largura do topo, Chow, 1959). Essas são profundidades médias mínimas medidas (tomadas através da largura do rio), e não profundidades mínimas sazonais na seção mais profunda do canal, como seria requerido para navegação.

Com base na Tabela 19, conclui-se que o Alto Paraguai à montante de Porto São Francisco é incapaz de acomodar, sem extensos aprofundamentos artificiais do canal, embarcações oceânicas (com um requerimento de calado de 3 m) ao longo de todo o ano.

A Tabela 19 mostra que à jusante de Porto São Francisco, o rio é suficientemente profundo, mesmo durante períodos de estiagem. Desde que Porto São Francisco é pequeno, e localizado somente a 146 km à montante do importante porto comercial de Corumbá/Ladário, esse último é usualmente considerado como ponto de destino do tráfego para montante. O tráfego atual de barcaças de Corumbá para jusante, na direção de Assunção e Buenos Aires é pelo menos duas ordens de magnitude maior do que o tráfego de Corumbá para montante, na direção de Cáceres. De acordo com A Gazeta de Cuiabá, de 21 de Fevereiro, 1995, somente dois barcos com 5000 toneladas de soja deixaram o porto de Cáceres rumo a Corumbá durante 1994 (International Rivers Network, 1995). Assim, a Hidrovia parece ser viável até Corumbá sem maiores modificações no canal natural. Todavia, a extensão de um canal navegável de 3 m até Cáceres vai requerer grandes intervenções no canal natural.

Além das profundidades médias mínimas medidas, mostradas na Tabela 19, profundidades mínimas sazonais no canal de navegação podem ser menores que 3 m em vários locais ao longo do Alto Paraguai, de Porto Murtinho a Cáceres. Esses locais são referidos como passos, e identificados como tal em cartas de navegação (Marinha do Brasil, 1974). A Tabela 20 lista os 54 passos identificados ao longo do Alto Paraguai. Pode ser notado que 40 por cento desses passos (22 de um total de 54) estão concentrados no trecho mais a montante, Descalvados-Cáceres, onde a navegação é difícil nas melhores circunstâncias. O relatório da INTERNAVE (1990) apontou que a profundidade mínima de escoamento, nos passos localizados entre Descalvados e Cáceres, varia de 0.2 m a 1.5 m em anos secos. Além disso, o Passo Japuíra, no trecho Porto Conceição-Descalvados, parece ser extremamente raso, com profundidade mínima de escoamento de somente 0.1 m durante anos secos.

O leito do Alto Paraguai é predominantemente arenoso, mas com afloramentos ro chosos significantes ao longo de seu comprimento (ver Tabela 8). Observações de relações cota-vazão tem confirmado o fenômeno da chamada "autodragagem," pelo qual o rio procura manter uma profundidade mínima durante vazões de estiagem (PORTOBRÁS, 1983; INTERNAVE, 1990). Esse mecanismo de autodragagem funciona somente enquanto o rio é capaz de mover seu leito livremente. Aparentemente, ajustando a forma e configuração de seu leito, o rio é capaz, durante vazões de estiagem, de reduzir sua descarga enquanto mantém uma cota aproximadamente constante (e uma profundidade mínima). No Alto Paraguai, essa profundidade mínima é de 1.2 m, exceto onde afloramentos rochosos não permitem que a autodragagem se efetue (PORTOBRÁS, 1983). Dessa forma, se não fosse pelas soleiras rochosas, o rio iria produzir uma profundidade mínima de 1.2 m ao longo de todo seu comprimento. Considerando que essa profundidade mínima é violada em muitos lugares ao longo do rio, pode-se concluir que a declividade do Alto Paraguai é geologicamente controlada.

O projeto Hidrovia inclui retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rocho sas (IDB, 1995). Cada uma dessas intervenções é aqui discutida separadamente. Retificação de Canal.

Retificação de Canal

A retificação do canal encurta o caminho do escoamento, decresce o tempo de con centração, acelera a concentração de escoamento, e leva a um aumento nos picos de cheias. Esse tipo de intervenção no canal natural está sendo considerado à montante de Amolar, onde o rio é mais sinuoso. A propósito, o relatório da Internave propõe encurtar em 62 km a distância entre Cáceres (km 3442) e Ponta do Morro (km 3030) (INTERNAVE, 1990). Sem os detalhes necessários, é difícil avaliar o efeito hidráulico dessa intervenção significante no rio. Todavia, algumas aproximações são possíveis nesse momento. Da Tabela 12, a declividade média do canal de Cáceres a Bela Vista do Norte (km 3047), 17 km à montante de Ponta do Morro (Figura 7), é:

(110.09 m - 89.80 m) (100 cm/m) /(3442 km - 3047 km) = 5.14 cm/km

que iria aumentar para

(110.09 m - 89.80 m) (100 cm/m) /(3442 km - 3047 km - 62 km) = 6.09 cm/km

com a implementação da retificação proposta do canal.

Baseado na equação de Manning (Chow, 1959), e assumindo, por simplicidade, con dições de vazão média e contorno rígido, esse aumento na declividade do canal representa um aumento de 5 por cento na velocidade média e um decréscimo de 5 por cento na profundidade.

O efeito das mudanças na declividade do canal também é sujeito a avaliação utilizando-se da largamente conhecida relação de Lane, a qual afirma que o produto da descarga líquida e a declividade do canal é proporcional ao produto da descarga de sedimentos e o tamanho das partículas, como se segue (Lane, 1955):

Qw S (proporcional a) QS d             (Eq. 4.1)

na qual Qw = descarga líquida S = declividade do canal, Qs = descarga de sedimentos (tomada como a soma da carga sólida de fundo mais carga sólida de fundo em suspensão, excluindo material fino em suspensão), and d = diâmetro médio da partícula. Desde que a concentração de sedimentos é:

Cs = Qs / Qw             (Eq. 4.2)

segue-se que para um dado tamanho de partícula (d constante)

Cs (proporcional a) S             (Eq. 4.3)

i.e., um aumento na declividade do canal irá causar um aumento proporcional na con centração de sedimentos. Neste caso,

Cs-final / Cs-inicial = 6.09 / 5.14 = 1.18             (Eq. 4.4)

Dessa forma, o realinhamento do canal proposto provavelmente causará um aumento de cerca de 20 por cento na concentração e transporte de sedimentos de material do leito.

Dragagem

A dragagem aumenta a área da seção transversal do canal, embora temporariamente. Isso aumenta a capacidade de transporte de água do canal e a sua habilidade de transportar escoamento (Chow, 1959). Os efeitos hidráulicos da dragagem são difíceis de avaliar diretamente, desde que o rio reage à dragagem ajustando sua carga de material de fundo (carga em suspensão e carga de leito), para eventualmente alcançar um novo equilíbrio. De acordo com Jansen et al (1982), a longo prazo, haverá degradação a montante, i.e., um rebaixamento do leito do canal o qual irá abaixar o nível de água subterrânea nas vizinhanças, resultando em uma diminuição do escoamento de base.

Remoção de Soleiras Rochosas

A remoção de soleiras rochosas como um meio de aprofundar o canal de navegação irá causar um impacto irreversível na hidrologia do Alto Paraguai. Esta é a mais significante intervenção planejada; se levada a cabo, provavelmente mudará o Pantanal para sempre. A análise de cartas de navegação mostra que, em geral, o rio tem sido capaz, através de uma escala de tempo geológica, de escavar um canal suficientemente profundo através da maioria dos afloramentos rochosos. A propósito, nas vizinhanças de Amolar, no km 2958, onde o rio em parte se erodiu na Serra do Amolar, a profundidade da água pode atingir valores maiores que 14 m, cortando na maior parte através de rocha. Similarmente, a uma curta distancia para jusante, em Morro Dourados (km 2956), a profundidade da água na margem direita, próximo à colina adjacente, é maior do que 22 m! (Marinha do Brasil, 1974).

Ainda, em outros lugares, onde as soleiras rochosas salientam-se para o canal, a profundidade é menor porque o rio ainda não escavou uma abertura através dessas rochas. O Pantanal existe devido a esses afloramentos rochosos, os quais influenciam os padrões regionais de escoamento em pelo menos três lugares: Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros (Seção 3.3.1). Em particular, a lombada em Amolar, junto com o possível controle geológico nas vizinhanças da saída da Lagoa Gaíba, são instrumentais na criação do Pantanal de Paiaguás, uma importante região de diversidade biológica (Figura 4).

A extensão na qual convexidades do perfil do leito (lombadas) podem causar remanso no Alto Paraguai pode ser estimada utilizando-se de princípios da hidráulica de canais abertos (Chow, 1959). A Tabela 21 sumariza as computações dos perfis da superfície de água para Amolar e Porto da Manga, onde lombadas significantes foram identificadas (Seção 3.3.1). Um canal prismático hipotético é assumido por simplicidade. É demonstrado que a lombada em Amolar (47 cm) aumenta a profundidade da água até uma distância de 339 km (99% do aumento de profundidade à jusante), o que poderia afetar a cota d'água tão a montante quanto Descalvados. Da mesma forma, a lombada em Porto da Manga (44 cm) aumenta a profundidade da lâmina d'água até uma distância de 417 km, o que poderia afetar a cota d'água tão a montante quanto Bela Vista do Norte. Esses cálculos confirmam que mudanças relativamente pequenas no perfil do rio, as quais iriam necessariamente tomar lugar como resultado da remoção de soleiras rochosas, podem afetar a hidráulica de montante em extensões maiores do que pode ter sido antecipado.

A grande extensão do perfil do remanso é a razão porque propostas para estruturas artificiais de controle (e.g., represas, diques e polders) no Alto Paraguai e no Pantanal são geralmente controversas. Sua ação permanente de inundacão de extensas áreas circunvizinhas as quais ou eram previamente secas ou somente inundadas sazonalmente, dificilmente pode ser justificada (Silva, 1990). Pela mesma razão, propostas para a remoção artificial de soleiras rochosas, as quais agem como represas naturais, também são controversas. Se implementadas, elas irão secar extensas áreas que seriam normalmente sujeitas a inundação periódica. O ponto a ser enfatizado com respeito ao Pantanal é que qualquer mudança causará impactos de larga escala espacial.

Além de ser irreversível, a demolição de afloramentos rochosos pode vir a ser insustentável a longo prazo. A eliminação de uma soleira rochosa irá causar degradacão à montante do canal até que um novo leito de equilíbrio, mais baixo do que o leito inicial, seja obtido (Jansen et al, 1982). Isso irá reduzir o nivel de água subterrânea e reduzir o escoamento de base. Mais importante, todavia, a remoção de uma soleira rochosa pode ainda levar ao surgimento de outra soleira rochosa a qual estava previamente submersa (Jansen et al, 1982). Essa é uma possibilidade definitiva no Alto Paraguai, o qual possui um afloramento rochoso a cada 40 km em média (Tabela 8), e onde as declividades predominantes do canal são tão suaves (1-2 cm/km) que o efeito de remanso de uma obstrução ao fluxo de 0.5 m pode ser sentida por cerca de 400 km a montante (Tabela 21).

Sumarizando, conclui-se o seguinte:

  • A retificação de canal irá encurtar o percurso do escoamento de superfície, acelerar a concentração do escoamento de cheias e aumentar o pico de cheias durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos).

  • O aprofundamento de canal por dragagem de material arenoso do leito pode proporcionar algum alívio para a navegação, mas será temporário e frequentemente de curta duração, pois o rio tende a movimentar seu leito constantemente, de uma maneira mais ou menos imprevisível.

  • A remoção de soleiras rochosas irá produzir alterações permanentes e irreversíveis na hidráulica e na hidrologia do rio, aumentando as velocidades, acelerando a concentração de escoamento superficial, e aumentando os picos de cheias.

Se implementadas, essas ações causarão impactos mais sérios à montante de Corumbá/Ladário, particularmente a montante de Porto São Francisco, onde as profundidades mínimas são bem inferiores à profundidade de canal de 3 m requerida para a navegação de embarcações oceânicas.

4.1.2 Mudanças no Escoamento de Base

Um princípio bem conhecido da hidrologia é que mudanças no regime de cheias produzem mudanças no escoamento de base. Esse princípio é baseado na observação de que quanto mais alto o pico de cheia, menor o escoamento de base; ao contrário, quanto mais baixo o pico da cheia, maior o escoamento de base. A razão para essa relação inversa é que uma gota de chuva que não consegue fazer parte do escoamento superficial da bacia é retida como embebição na bacia (Ponce e Shetty, 1995a), para seguir um dos dois possíveis percursos:

  • Retornar à atmosfera como evaporação ou evapotranspiração, ou

  • Percolar através do perfil do solo e eventualmente infiltrar-se para a rede de drenagem na forma de escoamento subsuperficial ou de água subterrânea. A fração do escoamento a qual segue o percurso do escoamento de água subterrânea é referido como escoamento de base.

Dessa forma, na média, uma gota de embebição tem cerca de cinquenta por cento de chance de se tornar escoamento de base. Enquanto as relacões escoamento de baseembebição para o Alto Paraguai ainda estão por ser estabelecidas, uma bacia sub úmida tal como a do Alto Paraguai possui um componente substancial de escoamento de base. Pode ser notado que a descarga mínima medida em Porto Murtinho é de 549 m3/s (Tabela 15). Esse bem conhecido efeito esponja do Pantanal no Alto Paraguai (Bucher et al, 1993) é parcialmente explicado pela conversão do escoamento superficial mais rápido em escoamento mais lento de subsuperfície.

Segue-se que a aceleração da concentração do escoamento de cheias e o aumento dos picos de cheia vão produzir um decréscimo no escoamento de base, o qual irá causar decréscimos nas profundidades mínimas, particular mente naqueles locais onde a ação de autodragagem é mínima ou não existente. Na falta de estudos mais detalhados, é difícil a verificação da extensão desse de créscimo, mas a tendência existe e deve ser reconhecida.

Mudanças no regime de escoamento de base (tanto perdas como ganhos), embora em bacias menores, têm sido documentadas nos Estados Unidos e em outros países (para uma análise recente, veja Ponce e Lindquist, 1990). Geralmente, um decréscimo na umidade ambiental (i.e., menos precipitação, menos vaporização e menos escoamento total) conduz a perdas no escoamento de base, enquanto um aumento na umidade ambi ental (mais precipitação, mais vaporização e mais escoamento total), leva a ganhos no escoamento de base. É demonstrado que a quantidade de escoamento de base é alta mente correlacionada com o regime climático. Perdas de escoamento de base invariavelmente levam a mudanças climáticas na direção de maior aridez.

O tema de mudanças potenciais no escoamento de base é extremamente relevante, na medida em que a viabilidade (e capacidade de sustentação) do projeto Hidrovia é con siderado, desde que modificações extensivas no canal irão provocar aumento nas altas vazões (picos de cheia), o que por sua vez irá causar diminuição nas vazões de estiagem (as quais são, na maior parte, escoamento de base). Dessa forma, é de se esperar que as modificações no canal (retificação, dragagem e remoção de soleiras rochosas) irão desestabilizar o regime de escoamento de base do rio. Por sua vez, isso irá demandar futuras ações adicionais para continuar a manutenção do calado mínimo requerido, i.e., isso irá colocar em ação um círculo vicioso de intervenções no canal. Isso é um assunto extremamente sério, desde que tem o potencial de comprometer a existência do Pantanal.

4.1.3 Mudanças no Rendimento Hídrico

O Alto Paraguai tem uma vazão média de 1565 m3/s. Esse valor foi estimado na confluência com o rio Apa, baseado em medições existentes em Porto Murtinho e Fecho dos Morros (Tabela 12). Baseado em estimativas de precipitação média anual espacial mente ponderadas, um coeficiente de escoamento superficial de Kr = 0.08 (a razão entre escoamento e precipitação) foi calculado (Seção 3.3.4). Como esse coeficiente será afetado pela execução do projeto da Hidrovia? Na ausência de análises hidrológicas detalhadas, a experiência com bacias vizinhas pode fornecer diretrizes úteis quanto aos possíveis impactos.

A relação entre o coeficiente de escoamento superficial Kr e a precipitação anual P é uma característica de cada bacia, com dKr /dP sendo sempre positivo, i.e., o coeficiente de escoamento superficial aumenta com a precipitação anual (Ponce e Shetty, 1995b). Essa função é parte da assinatura hidrológica da bacia, uma caracterização de seu rendimento hídrico anual ou resposta da bacia a um dado "input" de precipitação. Mudanças no regime de cheias e escoamento de base (aumentos nos picos de cheia e consequentes diminuições no escoamento de base) podem produzir mudanças no regime de vazões médias, e eventualmente levar a mudanças climáticas, i.e., mudanças em:

  • quantidade de precipitação anual, padrões e distribuição espacial e temporal,

  • quantidades de evaporação/evapotranspiração,

  • composição de espécies da flora, uma função do conteúdo de umidade no solo e atmosfera, e

  • natureza do escoamento (i.e., superfície versus subsuperfície) e quantidades.

Como exemplo, o rio Paraná em Corrientes, Argentina (Médio Paraná) (Figura 1) tem visto seu coeficiente de escoamento superficial aumentar de Kr = 0.16 na década de 1962-71, para Kr = 0.22 em 1982-91, um aumento de mais de 35 por cento em cerca de 20 anos (Ponce, 1994). Parte desse aumento pode ser atribuído a aumentos na precipitação anual (Anderson et al, 1993), enquanto outra parte pode ser devida a mudanças no uso do solo (Ponce, 1994).

Mudanças no uso e ocupação do solo que têm o efeito de aumentar o escoamento superficial têm ocorrido na bacia do Parana desde o fim dos anos 60, quando a terra foi convertida de plantações de café para a produção de soja e cana-de-açúcar. Somente no Leste do Paraguai, à montante de Confluência, a cobertura de florestas diminuiu de 55 por cento em 1945 para cerca de 15 por cento hoje (Anderson et al, 1993). Confirmando essa tendência, aumentos se melhantes no escoamento superficial médio anual (34 por cento no período de 20 anos, entre 1971-90, usando os dados para o período de 40 anos 1931-70 como base) foram recentemente documentados na barragem de Itaipú, no Alto Paraná (N. Carvalho, comunicação pessoal, 1995). Dessa forma, conclui-se que as intervenções bacia/rio que tem o efeito de aumentar e/ou acelerar o escoamento de superfície produzem mudanças significativas na resposta hidrológica de longo termo de uma bacia. Tais mudanças podem eventualmente produzir mudanças climáticas no sentido de maior aridez (veja Seção 4.4.1).

Com base na recente experiência do Paraná, é esperado que o projeto Hidrovia irá, a curto prazo, aumentar o coeficiente de escoamento superficial médio anual acima de 0.08, reduzindo dessa forma o coeficiente de vapori zação abaixo de 0.92. A redução em quantidade de evapotranspiração terá um impacto negativo na biota vegetal. Essa redução irá provocar decréscimos na evapotranspiração real, e através do deslocamento de espécies, seja por regressão ou invasão, provocar aumentos na evapotranspiração potencial, seguida por decréscimos na precipitação anual e umidade ambiental (i.e., a umidade presente no solo e no ar). A extensão e duração dessas mudanças climáticas potenciais ainda estão para serem investigados.

A resposta de um sistema fluvial é o resultado de complexas interações entre a hidrologia das sub bacias em terras altas (o suprimento de escoamento, ambos de água e sedimentos, para o sistema de drenagem) e a hidráulica do sistema de drenagem (as características do canal, i.e., largura, profundidade, declividade e rugosidade limite, ambas rugosidades de forma e granulosidade). No Alto Paraguai, a declividade do canal é con trolada pela geologia local, enquanto que as larguras e profundidades do canal foram ajustadas durante milênios para as descargas líquidas e de sedimentos predominantes, declividade do canal e rugosidade limite.

Para dar um exemplo, o trecho de Boca do Bracinho até 40 km à jusante de Porto Conceição, uma distância de 146 km ao longo do rio, tem uma largura de somente 120- 150 m (Tabela 1). Esse trecho incomumente estreito é devido a intervenção das vazões de extravazamento (de água e sedimentos). As vazões de extravazamento reduzem as descargas médias anuais, de 437 m3/s a montante, em Descalvados, para 341 m3/s em Porto Conceição, e para 144 m3/s mais além a jusante, em Bela Vista do Norte (Tabela 12). Frequentemente, esse trecho (desde Boca do Bracinho até 40 km à jusante de Porto Conceição) é temporariamente obstruído por ilhas flutuantes de biomassa as quais se originam em numerosas baías na vizinhança. A sazonalidade dessas obstruções, as quais são referidas regionalmente como batume ou bacero, tem sido estudada por Silva e Esteves (1993).

Alterar as dimensões do canal do rio (largura e/ou profundidade) através de dragagem irá disparar mudanças nas descargas líquidas e de sedimentos e um eventual ajuste para as novas condições. Pendente de estudos detalhados, uma avaliação de referência do impacto hidrológico pode ser realizada assumindo um canal natural retangular de 300 m de largura, 1.5 m de profundidade, aplicável à montante de Amolar, com área de escoamento

Ainicial = (300 m) (1.5 m) = 450 m2             (Eq. 4.5)

Um canal de navegação com 50 m de largura e 3 m de profundidade iria aumentar a área de escoamento para

Afinal = 450 m + (50 m) (1.5 m) = 525 m2             (Eq. 4.6)

Assumindo, por simplicidade, uma declividade do canal e rugosidade limite constan tes, a razão área de fluxo

Afinal / Ainicial = 525 / 450 = 1.17             (Eq. 4.7)

leva, através do uso da equação de Manning (Chow, 1959), a

Qfinal / Qinicial = (Afinal / Ainicial)5/3 = 1.3             (Eq. 4.8)

i.e., para um incremento de 30 por cento na descarga de água.

A profundidade mínima assumida de 1.5 m do canal tende a ser baixa na maioria dos casos onde o rio está ativamente movimentando seu leito (um fundo de canal arenoso), e alta em lugares onde há um número significante de afloramentos rochosos invadindo o canal. Dados batimétricos detalhados e análises ao longo do comprimento do Alto Para guai, particularmente nas regiões de intervenções mais intensivas no canal (os passos propostos para dragagem ou demolição), serão requeridos para refinamento adicional dessa avaliação.

4.1.4 Mudanças no Regime de Secas

O regime de cheias do Alto Paraguai e do Pantanal adjacente é caracterizado por um pulso anual de cheia, com a crescente da onda de cheia durando até seis meses. Esse é certamente o caso de Amolar e Ladário, ambos estrategicamente localizados perto do centro do Pantanal (Figura 2). A onda de cheia anual varia em magnitude e tempo de ocorrência do pico (veja Seção 4.1.1).

Os mais longos registros de vazão para o Alto Paraguai são de Ladário, onde medições de cota e descarga têm sido feitas deste o início do século. Os registros de Ladário mostram a presença de vários períodos de secas multianuais, i.e., períodos de vazões incomumente baixas, cada um deles durando vários anos. O exame dos registros permite a identificação de três desses períodos de seca: 1909-16, 1936-44 e 1964-73 (Figura 9). A escassez dos dados exclui uma definição mais precisa do intervalo de recorrência; todavia, os dados parecem sugerir que o Alto Paraguai e o Pantanal começam uma seca multianual aproximadamente a cada trinta anos em média. Seguindo esse raciocínio, o próximo período de seca já deveria ter ocorrido no Pantanal. A persistência, até essa data, do período úmido que começou em 1974 pode ser parcialmente atribuído às mudanças hidrológicas que podem já estar tomando lugar na bacia do Alto Paraguai, devido a mudanças no uso do solo (Silva, 1990). A esse respeito, Silva et al (1995) recentemente documentaram uma taxa exponencial de desmatamento no Pantanal. Estudos adicionais são urgentemente necessários nessa área.

Como será afetado o regime de secas no Pantanal se as cheias no Alto Paraguai forem exacerbadas pela Hidrovia projetada? Na falta de dados adicionais e de uma análise mais detalhada, isso permanece uma questão em aberto. Todavia, é instrutivo comparar a experiencia do Pantanal com as de outras bacias do Brasil, através do espectro climático. Uma região semiárida como o Nordeste brasileiro, por exemplo, está sujeita a períodos de secas multianuais as quais recorrem uma vez a cada onze anos em média (Guerra, 1981; Ponce, 1995). Além disso, as cheias intervenientes são frequente mente desastrosas em termos de perdas de vidas e propriedades. Por outro lado, uma região tropical úmida tal como a bacia do rio Amazonas é visitada anualmente por um pulso de cheia de magnitude e regularidade previsíveis, enquanto é pouco afetada por secas no rio (Richey et al, 1989). Dessa forma, a sequência de secas e cheias é demonstrada como uma característica do regime climático, onde cheias predominam sobre se cas em regiões sub úmidas e úmidas, enquanto o inverso é verdadeiro para regiões semiáridas e áridas.

É uma hipótese que aumentos na magnitude das cheias, a serem esperados como resultado do projeto Hidrovia, irão mudar o regime multianual de secas de tal maneira que as secas serão mais intensas e recorrerão com maior frequência. Se essa mudança climática tomar lugar, o projeto Hidrovia se mostrará insustentável a longo prazo. A acumulação de intervenções estruturais no rio (retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rochosas) irá promover a intensificação de cheias e secas, aumentar a diferença entre cotas máximas e mínimas sazonais (Figura 10), e diminuir as profundidades úteis durante a cada vez mais pronunciada estação de estiagem.

Concluindo, a aceleração da concentração do escoamento superficial causada por melhorias para a navegação irá intensificar as cheias médias al tas, extraordinárias e excepcionais, potencialmente reduzir o intervalo de recorrência de períodos de seca, e poderá, eventualmente, conduzir a mu danças climáticas na direção de maior aridez (menor precipitação, menor evaporação/evapotranspiração, e menores quantidades de escoamento superficial).

4.2 Impactos nos Sedimentos

Os impactos nos sedimentos causados pelo projeto Hidrovia no Alto Paraguai e no Pantanal Matogrossense podem ser considerados em duas categorias:

  1. Mudanças na descarga de sedimentos devido a mudanças no regime de cheias

  2. Mudanças na descarga de sedimentos devido a mudanças climáticas de longo termo.

É geralmente reconhecido que a bacia do Alto Paraguai funciona até agora como uma extensa superfície de acumulação de sedimentos. Os sedimentos que entram na bacia por meio dos tributários (Cuiabá, Taquari e Miranda, para nomear os mais importantes) são distribuídos por extravasamentos de canal nos cones aluvionais coalescentes, e/ou capturados nos numerosos banhados e drenagens endorréicas do Pantanal.

As planícies altamente dissecadas (planaltos) de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm, através dos milênios, contribuído com um farto suprimento de sedimentos para o vizinho e mais rebaixado Pantanal. A propósito, o rio Taquari carrega uma carga de sedimentos considerável, a qual, às vêzes, pode ser tão alta quanto 2500 ppm em Coxim (Figura 3). Essa alta carga de sedimentos é responsável pelas grandes dimensões de seu cone aluvional, o qual cobre, começando no seu ápice perto de Porto Rolon, extensas áreas do Pantanal. De fato, o rio Taquari, o qual era navegável por pequenas embar cações de sua embocadura para montante, até Coxim, não é mais navegável, presumivelmente devido a pressões antrópicas na alta bacia (mudanças no uso do solo, de flor esta para agricultura intensiva), as quais tiveram o efeito de acelerar a erosão das terras altas (Alho et al, 1988).

Medições mensais de descargas de sedimentos (integradas na profundidade) ao longo do Alto Paraguai e seus principais tributários foram efetuadas para o DNOS pela Hidrologia S.A. para um período de cinco anos, abrangendo o fim dos anos 70 e início dos 80. Um sumário dessas medições é mostrado na Tabela 18. Significativamente, a concentração média de sedimentos medida em Porto Esperança, à jusante dos principais tributários do Alto Paraguai, é de somente 176 ppm. Esse valor deve ser comparado com as concentrações médias de sedimentos medidas, ao entrarem no Pantanal através dos tributários: 235 ppm para o Cuiabá, 362 ppm para o Piquiri, 845 ppm para o Taquari, 620 ppm para o Aquidauana, e 626 ppm para o Miranda. Dessa forma, é visto que uma grande percentagem dos sedimentos dos tributários permane cem na bacia do Alto Paraguai. Baseado nesses dados limitados mas significativos, conclui-se que o Pantanal é ainda uma superfície de acumulação de sedimentos.

A fraca correlação entre descargas de sedimentos e descargas de água (veja Tabelas 16 e 17) não é motivo suficiente para desqualificar os dados de sedimentos. Os dados apresentados nessas tabelas são a carga total de sedimentos, a qual inclui a carga de sedimentos finos (wash load), uma função do suprimento de montante (grau de distúrbios naturais e antrópicos nas partes altas da bacia), e não da hidráulica de fluxo (profundidade e velocidade). Na ausência de transbordamentos de canal, uma vez que a carga de material fino chega no canal, sua tendência é de permanecer ali para ser eventual mente exportada do(s) ecossistema(s) terrestre(s). Além disso, o registro mensal de dados de sedimentos carrega, implicitamente, a histerese na avaliação do sedimento, i.e., a tendência da vazão de transportar mais carga de material de leito durante o estágio de crescimento do que durante o estágio de recessão (Leopold et al, 1964). Assim, dados mensais de sedimentos são somente uma indicação aproximada do balanço de sedimentos em uma bacia.

4.2.1 Mudanças na Descarga de Sedimentos devido a Mudanças no Regime de Cheias

Em geral, mudanças no regime de cheias produzem mudanças na descarga de sedimentos. Esse é um princípio de hidrologia bem conhecido, tendo sido amplamente documentado por muitas décadas (U.S. Department of Agriculture, 1940). Todavia, devido a interações não lineares entre cota e velocidade média, a natureza dessa relação não é prontamente aparente no Alto Paraguai. Durante cheias comuns e médias baixas, um aumento das cotas pode reduzir a velocidade média e atrasar a ocorrência do pico da cheia para fins de Junho, Julho ou início de Agosto, reduzindo o transporte e a exportação de sedimentos da bacia. Por outro lado, durante cheias médias altas, extraor dinárias e excepcionais, aumentos nas cotas irão aumentar a velocidade média e acelerar a ocorrência do pico da cheia para início de Junho, Maio, Abril, ou fins de Março, aumentando o transporte e exportação de sedimentos da bacia (Seção 4.1.1).

Além das complexidades do transporte de sedimentos no Alto Paraguai, aumentos na velocidade média invariavelmente levam a aumentos na capacidade de transporte de sedimentos. A relação entre descarga (Qs) de sedimentos (material de leito) e velocidade média (v) é altamente não linear, com o expoente da velocidade média variando na faixa de 3-7 (Colby, 1964). Dessa forma, um acréscimo de 5 por cento na velocidade média (Seção 4.1.1) corresponde a um aumento de 15-40 por cento na descarga de sedimentos, como se segue:

Qs-final / Qs-inicial = (vfinal / vinicial)3 = (1.05)3 = 1.15             (Eq. 4.9)

Qs-final / Qs-inicial = (vfinal / vinicial)7 = (1.05)7 = 1.40             (Eq. 4.10)

Isso indica que aumentos no escoamento superficial e nas velocidades de fluxo vão conduzir a aumentos proporcionalmente maiores nas cargas de sedimentos e, consequentemente, na exportação de sedimentos da bacia. Para dar um exemplo, as crescentes cargas de sedimentos alcançando o Baixo Paraná nas últimas duas décadas (H. Benito, comunicação pessoal, 1995) parecem ser o resultado do crescente rendimento hídrico no Alto Paraná (Anderson et al, 1993; Ponce, 1994).

4.2.2 Mudanças na Produção de Sedimentos devido a Mudanças Climáticas de Longo Termo

A longo prazo, mudanças climáticas no sentido de maior aridez (de sub úmido seco para semiárido no caso do Pantanal) irão causar aumentos na produção de sedimentos, i.e., a descarga de sedimentos em um local de avaliação, integrada ao longo de todo o ano. É amplamente reconhecido que a produção de sedimentos de uma bacia de dre nagem tem seu pico com uma precipitação anual de P = 12 in. (304.8 mm) (Langbein e Schumm, 1958); ou, alternativamente, com um escoamento superficial anual de Q = 2 in (50. 8 mm) (Dendy e Bolton, 1976).

Um clima árido (50 < P < 250 mm) apresenta menor precipitação e escoamento su perficial, e consequentemente, uma menor capacidade de captar e transportar sedimentos. Um clima semiárido (250 < P < 500 mm) encompassa o pico de produção de sedi mentos. Os climas sub úmido (500 < P < 1000 mm), úmido (1000 < P < 2000 mm), e extremamente úmido (P > 2000 mm) apresentam maior precipitação e escoamento su perficial, mas nesses casos, a erosão é controlada pela cada vez mais abundante vegetacão (Bull, 1991).

O método de Dendy e Bolton é usado nos Estados Unidos para calcular a produção de sedimentos de bacias sem postos de medição (Dendy e Bolton, 1976). O método especifica um límite de escoamento superficial Ql = 2 in (50. 8 mm), abaixo do qual a produção de sedimentos é diretamente relacionada ao escoamento superficial anual Q (por uma função de potência), e acima da qual a produção de sedimentos é inversamente relacionada com Q (por uma função de decaimento exponencial). Dessa forma, a produção de sedimentos aumenta à medida que o valor do escoamento superficial anual se aproxima do limite Ql de qualquer lado, i.e., aumentando para Ql, ou decrescendo para Ql.

A função de potência é:

S = 1280 Q 0.46 (1.43 - 0.26 log A)             (Eq. 4.11)

aplicável paraQ < Ql.

A função de decaimento exponencial é:

S = 1965 e-0.055 Q (1.43 - 0.26 log A)             (Eq. 4.12)

aplicável para Q > Ql. essas equações, S = produção de sedimentoss (ton/mi2/yr), Q = escoamento superficial líquido (in), and A = área de drenaged (mi²).

Essas formulas foram desenvolvidas para bacias pequenas e de médio porte nos Esta dos Unidos, e sua aplicabilidade para a bacia do Alto Paraguai resta ser estabelecida. De qualquer forma, o padrão de mudanças da produção de sedimentos com mudanças climaticas é geral e deve ser reconhecido através de fronteiras geográficas.

Em conclusão, mudanças climáticas de longo prazo no sentido de maior aridez vão causar um aumento na produção de sedimentos na bacia do Alto Paraguai. Normalmente, mudanças climáticas são lentas e não estão prontamente disponíveis para avaliação usando modelagem matemática convencional. Todavia, se uma mudança climática ocorrer, ela irá contrabalançar os ganhos de profundidade da lâmina d'água implementados pelo projeto Hidrovia. Esse é um impacto significante, o qual poderá afetar a sustentabilidade do projeto a longo prazo.

4.3 Impactos no Regime de Cheias do Médio Paraná

Há alguma preocupação de que mudanças no regime de cheias do Alto Paraguai poderão aumentar a magnitude das cheias a jusante, no Médio Paraná (Bucher et al, 1993). O Pantanal retarda picos de escoamento superficial do Alto Paraguai por três meses ou mais, de tal forma que eles estão fora de fase com picos de escoamento superficial do Alto Paraná chegando em Corrientes (Figura 1). Complicando essa situação, picos de cheia e volumes de escoamento superficial anual já estão em ascensão no Alto Paraná. Essse aumento marcante (34 por cento nos últimos 20 anos) tem sido atribuído a aumentos na precipitação e mudanças no uso do solo no Alto Paraná e Médio/Baixo Paraguai, e não necessariamente a mudanças no Alto Paraguai (Anderson et al, 1993; Ponce, 1994).

A bacia do Paraná-Paraguai faz parte do sistema da bacia do Prata, e é a mais importante em termos de descarga (75 por cento) e área de drenagem (84 por cento) (Seção 2.1). O sistema da bacia do Prata se situa no âmbito de duas largas zonas climáticas (OEA, 1969): (1) zona tropical (V), e (2) zona subtropical temperada/quente (IV), com as seguintes sub zonas (Figura 11):

  • V1: Clima tropical úmido, com uma estação chuvosa durando 9 1/2 a 12 meses.

  • V2: Clima tropical médio, com uma estação chuvosa de verão durando 7 a 9 1/2 meses.

  • V3: Clima tropical seco, com uma estação chuvosa durando 4 1/2 a 7 meses.

  • IV3: Clima de estepe, com estação de inverno seca e uma curta estação chuvosa de verão, durando 5 meses.

  • IV4: Clima chuvoso, com estação de inverno seca e uma longa estação de verão chuvoso, durando de 6 a 9 meses.

  • IV6: Clima permanentemente úmido, sem uma estação seca ou chuvosa claramente definida.

  • IV7: Clima permanentemente úmido, com uma estação de verão chuvosa, claramente definida

A Figura 11 mostra o seguinte: (1) A maior parte da bacia do Alto Paraguai se encontra dentro da sub zona tropical V2 (Brasil, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul); (2) a maior parte das bacias do Médio e Baixo Paraguai se encontra dentro das sub zonas tropicais V1 (Paraguai, Leste do rio Paraguai) e V3 (Paraguai, Argentina e Bolívia, Oeste do rio Paraguai); e (3) a maior parte da bacia do Alto Paraná (Brasil) se encontra dentro da sub zona tropical V1.

Assim, os regimes de precipitação do Alto Paraguai, Médio/Baixo Paraguai, e Alto Paraná são bem diferentes. A precipitação no Alto Paraguai é concentrada nos meses de verão. De acordo com os estudos do EDIBAP, o período de três meses mais úmidos é Dezembro-Fevereiro, representando 48 por cento da precipitação total no Norte da bacia (Cáceres), gradualmente decrescendo para 36 por cento no Sul da bacia (Porto Murtinho) (Seção 3.3.2) (EDIBAP, 1979). Por outro lado, a precipitação nas bacias do Médio/Baixo Paraguai (Leste do Paraguai) e Alto Paraná é mais uniformemente dis tribuída ao longo do ano.

A Tabela 22 e Figura 12 mostram as distribuições mensais de picos de cheias anuais medidos em estações chaves ao longo dos rios Paraguai e Paraná. Três estações são listadas no Alto Paraguai: (1) Cáceres, na entrada do Pantanal; (2) Ladário, próximo a Corumbá, à jusante do Pantanal de Paiaguás e do Pantanal de Cuiabá-Bento Gomes- Paraguaizinho (Figura 4); e (3) Porto Murtinho, próximo a desembocadura do Alto Paraguai. Uma estação é listada no Medio Paraguai (Assunção, Paraguai), outra no Alto Paraná (Posadas, Argentina), e uma outra no Médio Paraná (Corrientes, Argentina).

A falta de conjuntos de dados de duração comparável (a duração dos registros varia de 20 anos em Cáceres a 96 anos em Ladário) impõe uma limitação na análise, a qual não é prontamente resolvida, desde que esses são os únicos dados disponíveis.

As distâncias ao longo da Hidrovia são: Corrientes, km 1208; Assunção, km 1630; Porto Murtinho, km 2235; Ladário, km 2755; e Cáceres, km 3442. Além disso, Posadas (Figura 1) está localizada 378 km à montante de Corrientes, no Alto Paraná.

A Tabela 22 mostra que 50 por cento dos picos de cheia anuais medidos em Cáceres ocorreram em Março (90 por cento no período Fevereiro-Março), enquanto 41 por cento daqueles em Ladário ocorreram em Junho (86 por cento no período Maio-Julho). Isso mostra que o pico de cheia leva cerca de 105 dias em média (fins de Fevereiro a meados de Junho) para se deslocar de Cáceres a Ladário, uma distância de 687 km, a uma velocidade de (687 km X 1000 m/km X 100 cm/m) / (105 dias X 86400 s/dia) = 7.5 cm/s.

O cálculo da velocidade da onda de cheia de Ladário a Porto Murtinho é complicado pelo efeito das contribuições locais. A propósito, a moda da distribuição em Porto Murtinho ocorre em Maio, mas a distribuição é fortemente representada durante quatro meses (Maio a Agosto), enquanto que aquela de Ladário ocorre predominantemente em Junho. Além disso, enquanto 23 por cento das cheias anuais em Porto Murtinho tiveram seu pico tarde na estação (Agosto a Outubro), somente um por cento daquelas em Ladário tiveram seu pico tarde (Agosto) (veja Tabela 13). Dessa forma, o retardo do pico de cheia de Ladário a Porto Murtinho não é claramente discernível nos registros, embora haja razão suficiente para acreditar que possa ser de dois meses ou mais (Carvalho, 1986).

A Figura 12 mostra que o pico de cheia anual em Assunção, no Médio Paraguai, pode ocorrer a qualquer momento durante o ano, sem um período seco claramente de finido. Por outro lado, um período seco claramente definido foi o caso de Cáceres (Maio-Dezembro) e Ladário (Setembro-Fevereiro). A mais alta frequência de cheias anuais em Assunção é em Junho (29 por cento), seguida por Maio (17 por cento) e Janeiro (13 porcento). Desde que o Alto Paraguai não contribui para os picos de cheia de Janeiro em Assunção, esses precisam ter como origem as contribuições locais do Médio Paraguai, incluindo aquela do rio Apa.

Os hidrogramas medidos em Ladário e Assunção são bem diferentes. Aqueles em Ladário são unimodais, mostrando um pico de cheia anual (em torno do meio do ano) e pequena variabilidade nas vazões de estiagem (em torno do final do ano). Aqueles em Assunção são multimodais, mostrando vários picos e vales na hidrógrafa ao longo do ano, um pico de cheia anual sendo possível em qualquer período do ano (PORTOBRÁS, 1983). Um exame cuidadoso dos registros hidrográficos mostra que pelo menos algumas onda de cheia extraordinárias e certamente todas as excepcionais em Ladário são tambem sentidas como tal em Assunção. Por exemplo, a cheia de 1980 teve seu pico em Ladário a 18 de Abril, em Porto Murtinho em 1 de Julho, e em Assunção em 10 de Julho (PORTOBRÁS, 1983).

Dessa forma, é de se esperar que picos de cheias extraordinárias e excepcionais em Porto Murtinho, no Alto Paraguai, serão sentidas em Assunção, no Médio Paraguai (605 km à jusante de Porto Murtinho), e em Corrientes, no Médio Paraná (422 km à jusante de Assunção).

A Tabela 22 e a Figura 12 mostram que o pico de cheia anual em Posadas, no Alto Paraná, pode ocorrer através do ano, sem um período seco claramente definido. Toda via, diferente de Assunção, o qual apresenta uma moda de 29 por cento em Junho, a moda em Posadas é em Fevereiro, e somente de 19 por cento. Dessa forma, o escoamento superficial do Alto Paraná alcança Posadas tipicamente de meados a fins do verão (Janeiro-Março). O escoamento superficial do Alto Paraná e o do Paraguai se juntam em Confluência, e é medido em Corrientes (Argentina), 32 km a jusante. Em Corrientes, a mais alta frequência de cheias anuais se verifica em Março (25 por cento), seguida por Fevereiro (23 por cento), Dezembro (12 por cento), e Junho (11 por cento). Dessa forma, um pico de cheia em Corrientes pode ter origem em uma de três fontes:

  1. Escoamento superficial de contribuições locais, com ápice em Dezembro.

  2. Escoamento superficial do Alto Paraná, com ápice em Fevereiro ou Março.

  3. Escoamento superficial da bacia do Paraguai, com ápice em Junho ou Julho.

O último inclui algumas cheias extraordinárias e todas as excepcionais na bacia do Alto Paraguai, as quais são atenuadas pelo Pantanal em uma onda de cheia unimodal.

A análise precedente conduz às seguintes conclusões:

  • O Pantanal retarda por mais de três meses, usualmente até Junho e Julho, o pico de cheia do Alto Paraguai em Porto Murtinho.

  • Os picos de cheias do Alto Paraguai em Porto Murtinho e do Médio Paraguai em Assunção não parecem ser relacionados (são independentes) para cheias médias e comuns, e parecem ser relacionados (são dependentes) para algumas cheias extraordinárias e todas as excepcionais.

  • Os picos de cheia no Alto Paraná em Posadas ocorre ao longo do ano, com uma tendência para Janeiro-Março.

  • Os picos de cheia no Médio Paraná em Corrientes ocorrem ao longo do ano, com uma tendência para Fevereiro-Março.

O projeto Hidrovia vai acelerar a concentração do escoamento das cheias no Alto Paraguai durante as cheias médias altas, extraordinárias e excepcionais. Isso irá conduzir a picos de cheia mais altos e prematuros em Ladário, ocorrendo tipicamente em Maio ou Abril, ao invés de Junho ou Julho. A extensão para a qual um aumento do pico de cheia em Ladário (e, consequentemente, em Porto Murtinho) irá conduzir a um aumento do pico de cheia em Corrientes permanece a ser determinada. Modelagem matemática (propagação da onda de cheia) será necessária para determinar a natureza precisa desse aumento.

Na ausência de uma modelagem detalhada, as presentes conclusões referentes a efeitos à jusante do projeto Hidrovia devem ser consideradas como preliminares:

  • Intervenções significantes no Alto Paraguai, com o potencial de comprometer a existência do Pantanal, irão aumentar e acelerar picos de cheia extraordinárias e excepcionais em Ladário e Porto Murtinho, e contribuir para um substancial aumento no pico de cheia de verão em Corrientes (Fevereiro ou Março).

  • Intervenções menos significantes ou limitadas no Alto Paraguai irão au mentar e acelerar picos de cheia extraordinários e excepcionais em Ladário e Porto Murtinho, e contribuir para um aumento no pico de cheia de verão em Corrientes. A precisa extensão desse aumento permanece para ser determinada por análises complementares.

4.4 Outros Impactos Ambientais Associados

Outros impactos ambientais associados com o projeto Hidrovia incluem o seguinte:

  • Impacto no albedo médio da bacia do Alto Paraguai

  • Impacto no balanço de nutrientes

  • Impacto na biota.

Mudanças no regime hidrológico (magnitude e frequência de cheias e secas, e mudanças no rendimento hídrico) do Alto Paraguai causarão um impacto no balanço térmico da baixa atmosfera, através de mudanças no albedo médio. Mudanças no balanço de sedimentos irão impactar o balanço de nutrientes o qual, por sua vez, irá afetar a biota vegetal (espécies, composição e diversidade) e modificar, através de deslocamento, populações animais (pássaros, répteis e mamíferos) e habitats (Seção 3.4.2). O impacto dessas mudanças é amplo e de longo prazo, merecendo um estudo minucioso antes da implementação do projeto.

4.4.1 Impacto no Albedo Médio da Bacia do Alto Paraguai

Mudanças no regime de vazões médias do Alto Paraguai irão resultar, a longo prazo, em um aumento do albedo médio da bacia do Alto Paraguai (albedo é o coeficiente de reflectividade de uma superfície, i.e., a razão do fluxo de radiação de onda curta total refletido e do fluxo solar radiante total). O aumento do albedo irá causar mudanças no balanço térmico da baixa atmosfera, e eventualmente, conduzirá a mudanças climáticas no sentido de maior aridez (Charney, 1975). Dessa forma, a precipitação média anual e o escoamento superficial médio anual serão eventualmente reduzidos, resultando na redução das profundidades de lâmina d'água no Alto Paraguai, e no encolhimento do Pan tanal. Atualmente, a precipitaçao média anual na bacia do Alto Paraguai é Pa = 1280 mm, e o coeficiente de escoamento médio anual é Kr = 0.08 (Seção 3.3.4). Dessa forma, o escoamento superficial médio anual é:

Ra = Kr Pa = (0.08) (1280 mm) = 102.4 mm             (Eq. 4.13)

O cenário no qual aumentos no albedo e mudanças climáticas associadas podem tomar lugar é o seguinte:

  1. Acréscimos no coeficiente de escoamento superficial médio anual (i.e., produção de água) irá causar decréscimos no armazenamento superficial de água (lagos e baías) e armazenamento subsuperficial de água (umidade do solo), conduzindo a de créscimos no coeficiente de vaporização (a razão entre evaporação e precipitação).

  2. Decréscimos no coeficiente de vaporização irão reduzir a evapotranspiração real, eventualmente provocando mudanças na composição de espécies vegetais, i.e., para a progressiva reposição de higrófitas por mesófitas em terras baixas (em áreas riparianas adjacentes), e mesófitas por xerófitas em terras mais altas (os interflúvios).

  3. Aumentos da vegetação xerófita irão decrescer a cobertura e densidade vegetal, aumentando o tamanho e ocorrência de terrenos descobertos.

  4. O aumento do tamanho e da ocorrência de terrenos descobertos irão aumentar o albedo médio, refletindo mais energia radiante para a atmosfera e reduzindo a energia disponível para processos produtivos (fotossíntese e evapotranspiração).

A relação entre albedo de superfície e clima é bem conhecida na literatura de clima tologia e meteorologia. Um bioma extremamente produtivo tal como a floresta tropical Amazônica tem albedos na faixa de 0.14-0.21 (Gutman, 1994), enquanto que um de serto hiperárido tal como o Sahara tem um albedo de 0.5 (Courel et al, 1984). Enquanto o albedo de superfícies de água é de 0.03-0.10, aquele das dunas de areia é de 0.3-0.6 (Sumner, 1988).

Charney et al (1975) concluíram que um decréscimo na cobertura vegetal é usualmente acompanhado por um aumento no albedo. Isso leva a um decréscimo na radiação absorvida e um aumento no resfriamento radiativo do ar. Dessa forma, massas de ar iriam permanecer próximas ao solo para manter equilibrio térmico, e a convecção de cúmulos e precipitação associada seria suprimida. A precipitação reduzida iria por sua vez ter um efeito adverso nas plantas e tenderia a aumentar o decréscimo original da cobertura vegetal (Charney et al, 1977).

Para regiões áridas e semiáridas, Sud e Molod (1988) confirmaram que o efeito geral de alto albedo de superfície é o resfriamento no âmbito da camada limite planetária (planetary boundary layer, ou PBL). Isso induz abaixamento da camada de ar e diver gência de umidade próxima à superfície, os quais suprimem a convecção de umidade e a precipitação. Assim, numa região limite de deserto, tal como no limite entre sub úmido e semiárido, se espera que um aumento no albedo de superfície irá reduzir localmente a precipitação convectiva.

Garratt (1993) recentemente sumarizou a resposta de simulações de clima global a mudanças no albedo. Os resultados de onze estudos mostraram que um aumento no al bedo causa (1) decréscimo na evaporação do solo, (2) decréscimo na precipitação em terra, e (3) aumento na precipitação nos mares (no caso de mudanças globais).

Esses e outros estudos têm mostrado conclusivamente que aumentos no albedo causam mudanças climáticas no sentido de maior aridez, resultando em decréscimo de precipitação, decréscimo de escoamento superficial, e acréscimo na producão de sedimentos (esse último como no Pantanal, onde a mudança climática seria de sub úmido seco para semiárido).

As mudanças no regime de escoamento superficial no Alto Paraguai, atribuíveis ao projeto da Hidrovia, podem ser suscetíveis de conduzir a mudanças substanciais no albedo médio? A resposta a esta questão é afirmativa, embora a estrutura temporal para essas mudanças não seja prontamente discernível sem uma análise adicional. Se o projeto Hidrovia aumentar, a curto prazo, o coeficiente de escoamento superficial do Alto Paraguai, isso irá disparar uma série de reações em cadeia que incluem:

  • Redução na vaporização média anual,

  • Redução no escoamento de base,

  • Alterações na composição biótica de espécies de animais e plantas,

  • Aumento do albedo médio,

  • Aumento na produção de sedimentos,

  • Redução na precipitação média anual,

  • Redução no escoamento superficial médio anual,

  • Aumento na magnitude e frequência das secas e cheias, e eventualmente

  • Mudanças climáticas no sentido de maior aridez.

Mudanças climáticas são processos naturais normalmente mensuráveis em uma escala temporal geológica. A bacia do Alto Paraguai tem sido objeto de várias mudanças climáticas, e.g., de semiárido no Jurássico para úmido no Cretáceo (Seção 3.2). A grande profundidade dos depósitos Quaternários (420 m em Fazenda São Bento, no cone aluvional do Taquari), somente pode ser explicada por um ativo processo geodinâmico associado com um clima semiárido predominante no passado geológico.

O ponto crucial a ser considerado não é a mudança climática, a qual sempre se faz presente, mas, ao invés, a taxa da mudança climática. Hoje é largamente reconhecido que mudanças climáticas resultantes de ações antrópicas são possíveis, e que as mesmas podem ocorrer ao longo de décadas, ao invés de milênios.

4.4.2 Impacto no Balanço de Nutrientes

A relação direta entre balanços hidrológicos e de nutrientes já é conhecida por algum tempo. A propósito, Likens e Bormann (1975) estudaram a floresta experimental Hubbard Brook em New Hampshire, E.U.A. O desmatamento aumentou o escoamento su perficial e resultou em grandes aumentos na concentração em cursos d'água para todos os ions importantes (Ca++, K+, NO3-), exceto uns poucos (NH4+ e SO42-). A perda total anual de fósforo foi de cerca de uma ordem de magnitude maior como resultado do desmatamento. A exportação total de substâncias dissolvidas, excluindo matéria orgânica dissolvida, apresentou uma média de 81 ton/ha-ano para a bacia desmatada, comparada a 13 ton/ha-ano para uma bacia preservada, usada como controle. A concentração de nitratos na água de escoamento superficial quase continuamente excedeu, e em alguns casos quase dobrou, a concentração máxima recomendada para consumo humano.

Likens e Bormann (1975) preveniram que a menos que tais interrelações sejam melhor compreendidas, intervenções humanas em ecossistemas naturais podem produzir resultados inesperados e potencialmente danosos. Em um estudo semelhante, Elwood e Henderson (1975) enfatizaram a necessidade para estudos básicos de balanços hidrológicos e de nutrientes previamente a implantação de projetos ou decisões de gerenciamento de uso do solo.

Um exemplo da relação entre ciclos hidrológicos e de nutrientes no Pantanal é dado por Silva (1990), que notou que as concentrações de cálcio, potássio e magnésio nos cursos d'água no Pantanal de Barão de Melgaço, perto de Cuiabá, são maiores durante as cheias do que durante as estiagens.

O Pantanal existe porque seu cenário geológico/geomorfológico o condiciona a reter água, umidade do solo, sedimentos e nutrientes (Tricart, 1982; Junk et al, 1989). Os padrões de inundação extensos e de grande duração e a umidade do solo retida diminuem o albedo médio, favorecendo a precipitação gerada localmente (Stidd, 1975; Balek, 1983). A umidade do solo tipica mente diminui albedos médios por um fator de dois (Dickinson, 1983). Os sedimentos e nutrientes associados importados das sub bacias de terras altas tendem a permanecer no Pantanal, assegurando uma fonte constante para reposição (Carvalho, 1984; Silva, 1990). A água retida sustenta as necessidades de evapotranspiração da vegetação, os sedimentos continuam a acumular no vale, e os nutrientes são em grande parte filtrados e retidos pela vegetação.

Um traço característico dos ecossistemas do Pantanal é o pulso sazonal de cheia (Junk et al, 1989). Modificações no pulso sazonal de cheia causarão mudanças bióticas e abióticas no Pantanal (Sparks, 1995). Os ciclos de reprodução de vida silvestre são intimamente ligados ao ciclo anual de inundação e recessão (Bayley, 1995; Campos, 1993). Aumentos na magnitude das cheias vão resultar, a curto prazo, em um aumento na produção de sedimentos e em uma mudança no balanço de nutrientes da bacia. A perda de nutrientes para o escoamento superficial irá significar menor produtividade biótica e a eventual perda do caráter de florestas mistas de savana (savana parque) dos ecossistemas do Pantanal, onde ambas espécies animais, domesticados e selvagens, podem coexistir.

A mais importante atividade econômica do Pantanal é a criação de gado. Antunes (1986) estimou o número de cabeças de gado em 3.5 milhões. Por outro lado, Alho et al (1988) declarou que as pastagens sazonais alimentaram até 8 milhões de animais. Por séculos, a criação de gado em baixa densidade tem sido a atividade econômica predominante. Prance e Schaller (1982) declararam que a vegetação natural do Pantanal pode ser mantida juntamente com as fazendas, desde que a população bovina seja mantida dentro de limites razoáveis, e que certas áreas sejam reservadas para a conservação das comunidades biológicas.

O impacto ambiental da criação de gado no Pantanal parece ter sido mínimo (Alho et al, 1988). O esgotamento das pastagens, um problema insidioso que assola bacias exorréicas sub úmidas e semiáridas em outras partes do mundo, não é um problema sério no Pantanal. O pulso de cheias serve ao duplo propósito de efetivamente controlar o esgotamento das pastagens, impedindo temporariamente a pastagem nas áreas inundadas, enquanto reabastece o solo com nutrientes frescos fixados nos sedimentos finos (Silva, 1990). Mais importante ainda, o pulso de cheias é instrumental na manutenção dos campos, desde que os tipos de vegetação competitivas, particularmente as espécies lenhosas, não são bem adaptadas ao pulso de cheias (Cole, 1960).

Antunes (1986) mostrou que durante a seca de 1965-73, a criação de gado expandiu- se no Pantanal, desde que muitas áreas que eram previamente inundadas sazonalmente, permaneceram não inundadas por mais de uma estação. Começando em 1974, o período de cheias retornou com uma fôrça incomum. Isso levou ao esgotamento das pastagens nos campos remanescentes pelos rebanhos subitamente constrangidos em seu espaço. Para complicar o problema, os campos já estavam ameaçados pela invasão de espécies lenhosas as quais se aproveitaram do longo período de seca para se estabelecer nos campos secos. Exemplos similares de invasões por espécies lenhosas em áreas do Pantanal que tem sido artificialmente protegidas de inundação através do uso de diques tem sido reportadas (H. Benito, comunicação pessoal, 1995).

Os padrões de inundação do Pantanal foram recentemente quantificados por Hamilton et al (1995) usando sensoreamento remoto. Durante anos de cheias excepcionais, até 100 000 km² (73 por cento) do Pantanal são simultaneamente inundados pelo menos por 30 dias, controlando o esgotamento das pastagens através da inundação, en quanto o solo é reabastecido com nutrientes. Por outro lado, durante a estação de estiagem em anos secos, menos que 6770 km² (5 por cento) do Pantanal pode ser inundado, incentivando o excesso de pastagem e virtualmente eliminando a reposição de nutrientes por meios naturais.

Em conclusão, o pulso de cheias é o mecanismo que fornece a reposição de nutrientes, controle do esgotamento das pastagens, e manutenção dos campos, em torno da qual gira a produtividade biótica natural do Pantanal.

4.4.3 Impacto na Biota

Mudanças no regime hidrológico da bacia do Alto Paraguai terão um impacto defini tivo na biota. Atualmente, existe um delicado balanço entre os vários tipos de vegetação, refletindo a predominância de um clima tropical médio, com uma estação chuvosa de verão distinta, durando de 7 a 9 1/2 meses. Mudanças na assinatura hidrológica no sentido de maior aridez irão acentuar a competitividade da floresta arbustiva do semiárido (caatinga), em terras altas, e provocar reduções nas espécies de floresta de savana (cerrados), as quais atualmente dominam o Pantanal (Prance e Schaller, 1982).

A interação entre hidrologia e geomorfologia é a base de sustentação da estrutura biótica do Pantanal, sendo o pulso de cheias sendo a pedra angular do funcionamento de ecossistemas alagáveis (Junk et al, 1989). Diferentemente das espécies lenhosas, espécies herbáceas são bem adaptadas para o pulso de cheias, desde que elas são aptas a tolerar extremas alternações de saturação (inundação durando de 1 a 3 meses) e dissecação (estação seca durando de 2 1/2 a 5 meses) (Cole, 1960). Dessa forma, mudanças no regime hidrológico resultando na redução de períodos de cheias e aumento nos periodos de secas irão produzir alterações na composição de espécies vegetais, de herbáceas para lenhosas (Veloso, 1972). Isso irá mudar o caráter dos ecossistemas do Pantanal, de florestas de savana (com ilhas esparsamente distribuídas de cerradão) para florestas mais mésicas, refletindo uma predominância de vegetação lenhosa sobre a herbácea. Por sua vez, isso irá produzir uma mudança nas espécies animais e suas populações, quando aquelas espécies melhor adaptadas ao cerrado irão predominar sobre aquelas adaptadas aos campos. A consequente redução da área de campos terá um impacto na pecuária, a qual não será capaz de suportar tantas unidades animais como acontece atualmente. Além disso, o uso do fogo pelo homem para o controle da vegetação lenhosa tem a possibilidade de aumentar, impactando negativamente a qualidade do ar.

Dessa forma, a espiral de degradação ambiental começa com alterações na hidrologia (mudanças nos regimes de cheias, escoamento de base, rendimento hídrico, e secas), e eventualmente conduz a impactos na biota, vegetal e animal, incluindo a espécie humana.

4.5 Sumário da Seção

Esta Seção descreve os possíveis impactos hidrológicos do projeto Hidrovia no Pantanal Matogrossense. A avaliação considera impactos nas águas, sedimentos e balanço de nutrientes como uma consequência direta e indireta das melhorias propostas para a navegação, que incluem retificação de canal, dragagem e remoção de afloramentos rochosos. Segue-se um sumário dos pontos principais estabelecidos nesta Seção:

  • O Alto Paraguai à montante de Porto São Francisco (a 146 km à montante de Corumbá) é incapaz, sem extensos aprofundamentos artificiais do canal, de acomodar embarcações oceânicas (com um requerimento de 3 m de calado) ao longo de todo o ano. A extensão do proposto canal de navegação de 3 m até Cáceres irá requerer grandes intervenções no canal natural.

  • Atualmente, uma profundidade mínima de 1.2 m é mantida por autodragagem, exceto nos locais onde afloramentos rochosos não permitem que esse processo se verifique. O Pantanal existe basicamente devido a esses afloramentos rochosos, que agem como represas naturais, influenciando os padrões regionais de escoamento em pelo menos três lugares: Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros.

  • Demolir soleiras rochosas como uma forma de aprofundar o canal navegável irá causar um impacto irreversível no regime hidrológico do Alto Paraguai, particularmente à montante de Corumbá. Na verdade, essa demolição corresponde à remoção de represas naturais, o que irá aumentar o escoamento superficial e acelerar a sua concentração, intensificando as cheias.

  • Mudanças relativamente pequenas no perfil, as quais necessariamente tomariam lugar como resultado da remoção de soleiras rochosas, podem afetar a hidráulica fluvial de montante, numa escala maior do que previa mente antecipado. A propósito, o efeito do remanso produzido por uma lombada de 0.47 m no perfil do leito em Amolar pode ser observado por uma distância de 375 km para montante.

  • Diferentemente de um rio tipicamente aluvional, o perfil longitudinal do Alto Paraguai é convexo quando observado de cima, revelando a presença de controles geológicos substanciais. Afloramentos rochosos a cada 40 km em média, ao longo do Alto Paraguai, foram documentados.

  • É esperado que a remoção de soleiras rochosas cause o aparecimento de outras soleiras rochosas, as quais se encontravam previamente submersas. Isso irá abrir uma espiral de degradação ambiental, na forma de perda de água, sedimentos e nutrientes, e produzirá alterações ecológicas extremamente difíceis de controlar.

  • Modificações no canal (retificação, dragagem, e remoção de soleiras rochosas) irão desestabilizar o regime de escoamento de base do rio, e irão demandar ações futuras no mesmo para a manutenção do calado mínimo requerido para navegação, i.e., irão colocar em movimento um círculo vicioso de intervenções no canal.

  • O projeto Hidrovia irá, a curto prazo, aumentar o coeficiente de escoamento médio anual acima de seu valor atual (0.08), reduzindo a quantidade de evapotranspiração e afetando negativamente a biota vegetal.

  • A aceleração da concentração do escoamento superficial causada pelas melhorias para a navegação irão intensificar as cheias médias altas, extraordinárias e excepcionais, potencialmente reduzir o intervalo de recorrência de períodos de seca multianuais, e podem conduzir, a longo prazo, a mudanças climáticas no sentido de maior aridez.

  • Perdas de escoamento superficial irão aumentar grandemente as perdas de sedimentos e nutrientes, desestabilizando os ecossistemas do Pantanal pela modificação do balanço de nutrientes, resultando em uma produtividade biótica reduzida.

  • Mudanças de longo prazo no regime hidrológico do Alto Paraguai no sentido de maior aridez (menos precipitação, menos evaporação/evapotranspiração e menos escoamento superficial) causarão um impacto definitivo na biota. A competitividade da floresta arbustiva semiárida (caatinga) irá aumentar, afetando de forma adversa o delicado balanço entre as diversas comunidades de plantas que habitam o Pantanal.

  • Modificações no pulso das cheias, acopladas com modificações climáticas de longo prazo no sentido de maior aridez, irão produzir uma sucessão ecológica de espécies herbáceas para espécies lenhosas. O tamanho e número dos montes de terra com vegetação (capões) irão aumentar, com os campos sendo os grandes prejudicados. Ambas espécies animais, domésticas e selvagens, serão afetadas adversamente.


O rio Miranda, um de seis tributários principais do rio Paraguay

O rio Miranda, um de seis tributários principais do rio Paraguay, em Miranda, Mato Grosso do Sul.