SDSU Faculty Profile - Dr. Victor M. Ponce - Hidrovia Report - Wetland Hydrology - Section 5 - Summary




SEÇÃO 5

SUMÁRIO


Afluência do rio de Paraguai com o rio Apa, 
Mato Grosso do Sul

Afluência do rio de Paraguai com o rio Apa, Mato Grosso do Sul.


Esta última Seção sumariza as conclusões deste estudo. Ela está dividida em três Subseções

  1. O Pantanal Matogrossense
  2. O Projeto Hidrovia
  3. Os Impactos Hidrológicos e Ambientais.

Cada Subseção sumariza os principais pontos estabelecidos neste estudo. Detalhes adicionais podem ser encontrados nas respectivas seções deste relatório: o Pantanal Matogrossense, Subseção 2.3 e Seção 3; o Projeto Hidrovia, Subseção 2.4; e Impactos Hidrológicos e Ambientais, Seção 4. Uma Subseção intitulada "Conclusões Finais" termina esta Seção do relatório.

5.1  O Pantanal Matogrossense

Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:

  • O Pantanal Matogrossense é uma depressão inundada sazonalmente, situada em sua totalidade na bacia do Alto Paraguai, compreendendo 136700 km² de área nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Centro Oeste Brasileiro. O Pantanal é um imenso e biologicamente diverso alagadiço, posicionado geomorfologicamente e hidrologicamente para atenuar e reduzir o escoamento superficial da bacia do Alto Paraguai.

  • As formacões predominantemente do Precambriano Superior situam-se sob extensos depósitos Quaternários, com significantes afloramentos rochosos. Evidencias geomorfológicas revelam a presença de uma quantidade substancial de atividade tectónica na forma de subsidência e subelevações (subsidence/uplift).

  • O leito do Alto Paraguai é controlado pela geologia prevalecente. O perfil longitudinal do rio é convexo quando observado de cima, revelando a presença de controles geológicos substanciais. Existem trinta e dois (32) afloramentos rochosos documentados ao longo de 1270 km do rio, uma média de um a cada 40 km.

  • O coeficiente de escoamento superficial anormalmente baixo do Alto Paraguai em sua embocadura (um valor de 0.08) é um resultado direto de sua interação hidrológica com o Pantanal. Esse último funciona como um imenso reservátorio de superfície/subsuperfície o qual armazena água nos cenários de tempo anual e multianual.

  • O Alto Paraguai é muito eficiente em diminuir os picos de cheias e de forma correspondente, aumentar as vazões de estiagem. A presença do Pantanal fornece o mecanismo para a difusão das vazões de cheia e o aumento da permanência das vazões de estiagem.

  • Os registros hidrográficos em Ladário mostram a capacidade de atenuação extremamente forte do Pantanal à montante desse ponto. Ao longo de todo o período de registro (1900-95), a onda de cheia em Ladário tem sido sempre unimodal (somente uma ascenção e uma recessão por ano).

  • O Pantanal funciona não somente como um mecanismo atenuador para vazões de cheia, mas também como um mecanismo de abstração para todas as vazões, i.e., como um meio eficiente de armazenar a água que seria escoada superficialmente, e ao invés convertê-la em evaporação e evapotranspiração. Ao longo de milênios, esse processo tem sido responsável pela sustentação do extraordinário potencial biótico do Pantanal.

  • O Pantanal é ainda uma superfície de acumulação de sedimentos, com um ganho líquido anual de sedimentos e nutrientes.

  • O Pantanal é extremamente fértil em diversidade de flora e composição fisionômica. A diversidade de sua flora é devida a sua localização privilegiada, cercada por quatro grandes biomas sul americanos: a floresta tropical Amazônica, as savanas sub úmidas do Brasil Central, a floresta úmida Atlântica, e a floresta arbustiva semiárida do Chaco. Sua composição fisionômica diversa é devida a sua variedade de características geomorfológicas/topográficas.

  • O Pantanal mantêm-se como um repositório único para uma variedade de espécies silvestres, incluindo numerosas espécies de pássaros, peixes, répteis e mamíferos. Muitas espécies habitam seletivamente os campos, elevações de terreno com cobertura vegetal lenhosa (capões, cordilheiras), florestas de galeria, e cursos d'água (baías, corixos, vazantes) do Pantanal. Tal biodiversidade impressionante é devida, em grande proporção, aos cenários geológico, geomorfológico e hidrológico, únicos do Pantanal.

5.2  O Projeto Hidrovia

Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:

  • O sistema Paraná-Paraguai tem sido utilizado como uma hidrovia para transporte por vários séculos. O sistema fluvial compreende o Alto, Médio e Baixo Paraguai, e o Médio e Baixo Paraná. Ele drena partes do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina.

  • Projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai, conhecido localmente como a Hidrovia, atualmente está sendo considerado para financiamento pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento.

  • A agência executiva para o projeto da Hidrovia é o Comite Intergubernamental de la Hidrovía (CIH), uma agência organizada pelo governo dos cinco países que têm jurisdição na hidrovia: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.

  • O projeto Hidrovia implica em melhoramentos para a navegação ao longo da hidrovia existente Paraná-Paraguai. O projeto considera extensas obras de engenharia fluvial, incluindo retificação de canal, dragagem, remoção de soleiras rochosas, e outras intervenções estruturais para tornar 3442 km do rio navegáveis por embarcações oceânicas, do ponto mais a jusante em Nueva Palmira, Uruguai, até o ponto mais a montante em Cáceres, Mato Grosso, próximo às cabeceiras do Alto Paraguai.

  • Desde que o porto de Cáceres está localizado à montante do Pantanal Matogrossense, espera-se que o projeto Hidrovia, se implementado com sua concepção atual, irá ameaçar o status proeminente do Pantanal como o maior alagadiço remanescente no continente Americano e no mundo.

  • Em Fevereiro de 1995, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) comissionaram estudos de engenharia e impacto ambiental do projeto Hidrovia. Esses estudos estão em andamento, com resultados esperados para fins de 1996.

  • Até esta data, o único documento compreensivo do projeto Hidrovia é o relatório da INTERNAVE, completado em 1990 pela companhia brasileira Internave. Esse relatório é essencialmente um estudo de viabilidade econômica do projeto Hidrovia.

  • Os aspectos físicos da Hidrovia proposta (retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rochosas) são fontes de preocupação significativa entre diversos segmentos de comunidades nacionais e internacionais, incluindo povos indígenas, organizações ambientais, organizações não governamentais (ONGs), associações profissionais, e universidades no Brasil, no continente Americano, e no resto do mundo. A preocupação é que o projeto Hidrovia pode causar danos irreparáveis aos alaga diços do Pantanal, um foco significante de biodiversidade no continente Americano.

5.3  Os Impactos Hidrológicos e Ambientais

Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:

  • Os melhoramentos propostos para a navegação (retificação de canal, dragagem e remoção de soleiras rochosas) terão um impacto substancial no regime de cheias no Alto Paraguai. O grau do impacto deverá variar de pendendo do tipo e extensão da intervenção, e da sua localização ao longo do rio.

  • Durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos) e excepcionais (10 anos), a retificação do canal irá acelerar a concentração do escoamento e aumentar o pico da onda de cheia em Ladário.

  • O Alto Paraguai à montante de Porto São Francisco (localizado a 146 km à montante de Corumbá) é incapaz, sem extensos aprofundamentos artificiais de seu canal, de acomodar embarcações oceânicas (com um requerimento de 3 m de calado) ao longo do ano. A planejada extensão de um canal de navegação de 3 m por todo o rio até Cáceres irá requerer grandes intervenções no canal natural.

  • O Alto Paraguai está sujeito ao fenômeno de autodragagem. Ajustando a forma e configuração de seu leito, o rio é capaz, durante vazões de estiagem, de reduzir sua descarga enquanto mantém uma cota aproximadamente constante (e profundidade mínima). No rio Alto Paraguai, essa profundidade mínima é de 1.2 m, exceto onde os afloramentos rochosos não permitem que a autodragagem se processe. Até ao ponto em que essa profundidade mínima é violada em muitos lugares, pode-se concluir que a declividade do Alto Paraguai é geologicamente controlada.

  • A remoção de soleiras rochosas como meio de aprofundar o canal de navegação irá causar um impacto irreversível na hidrologia do Alto Paraguai. Essa é a mais significativa intervenção planejada; se levada a cabo, certamente modificará o Pantanal para sempre.

  • Cartas de navegação mostram que o rio tem sido capaz de escavar um canal suficientemente profundo através da maioria de seus afloramentos rochosos. Ainda, em outros locais, onde a profundidade é mais rasa porque soleiras rochosas estendem-se para o canal, o rio ainda não escavou uma passagem. O Pantanal existe por causa dessas soleiras rochosas, as quais influenciam os padrões de escoamento regional em Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros.

  • Cálculos de curvas de remanso confirmam que mudanças relativamente pequenas na profundidade do leito, as quais necessariamente ocorreriam como resultado da remoção das soleiras rochosas, podem afetar a hidráulica fluvial de montante em uma extensão muito maior do que previamente antecipado. As soleiras rochosas agem como represas naturais; se elas forem removidas, extensas áreas do Pantanal não serão mais sujeitas a inundação sazonal.

  • A remoção de uma soleira rochosa poderá ainda levar ao aparecimento de outra soleira rochosa a qual estava previamente submersa. Esta é uma possibilidade distinta no Alto Paraguai, onde a ocorrência dos afloramentos rochosos a cada 40 km em média tem sido documentada, e onde as declividades predominantes do canal são tão suaves que o efeito de remanso de uma obstrução ou protuberância de 0.5 m pode ser sentida por cerca de 400 km para montante.

  • É esperado que as modificações do canal irão desestabilizar o regime de escoamento de base e irão demandar futuras intervenções adicionais no rio para continuar a manutenção do calado mínimo requerido, i.e., irá colocar em movimento um círculo vicioso de intervenções no canal.

  • A aceleração da concentração do escoamento superficial causada pelas melhorias para a navegação irá intensificar as cheias médias altas, extraordinárias e excepcionais, potencialmente reduzir o intervalo de recorrência dos períodos de seca, e pode eventualmente causar mudanças climáticas regionais no sentido de maior aridez.

  • Picos de cheias extraordinárias e excepcionais no Alto Paraguai serão sentidos prematuramente a jusante, em Assunção, no Médio Paraguai, e em Corrientes, no Médio Paraná. A extensão precisa desse efeito permanece a ser determinada por análises posteriores.

  • Mudanças no regime de escoamento superficial do Alto Paraguai são passíveis de conduzir a aumentos substanciais no albedo médio. Em outras partes do mundo, as evidências (circunstanciais e experimentais) estão se acumulando para associar aumentos no albedo médio a mudanças climáticas no sentido de maior aridez. O Pantanal não é imune a mudanças climáticas, as quais têm ocorrido no passado geológico; o ponto a ser enfatizado é a taxa da mudança climática. Hoje é largamente aceito que mudanças climáticas resultantes de ações antrópicas são possíveis, e que elas podem ocorrer em décadas, ao invés de milênios.

  • O Pantanal existe devido ao fato de que seus cenários climático/ geológico/ geomorfológico o condicionam a reter água, sedimentos e nutrientes. Modificações no pulso de cheia anual irão causar mudanças bióticas e abióticas no Pantanal. Aumentos na magnitude das cheias irão resultar em perdas crescentes de sedimentos e nutrientes.

  • A inundação anual de extensas áreas do Pantanal serve ao propósito duplo de efetivamente controlar o esgotamento das pastagens e repor nutri entes frescos para o solo. Mais importante ainda, o pulso de cheia sazonal é fundamental para a manutenção dos campos, desde que tipos competitivos de vegetação, particularmente as espécies lenhosas, não são bem adaptadas a alternações extremas de saturação e dissecação.

  • Mudanças no regime hidrológico resultando em cheias e secas exacerbadas irão comprometer a reposição de nutrientes e provocar reduções na produtividade biótica. Essas mudanças irão produzir uma sucessão de espécies herbáceas para lenhosas, o que irá mudar o caráter dominante do Pantanal, de floresta mista de savana (ou savana parque) para florestas mais mésicas. Os campos abertos serão reduzidos, e isso terá um impacto negativo na atividade da pecuária.

5.4  Conclusões Finais

É esperado que o projeto Hidrovia tenha um impacto hidrológico e ambiental significativo no Rio Alto Paraguai e principalmente no Pantanal Matogrossense. Este último é uma região terrestre única, onde uma combinação incomum de localização continental, clima, geologia, geomorfologia e hidrologia de superfície e subterrânea, têm contribuído, através dos milênios, para o estabelecimento de um delicado balanço ecológico. Ao longo dos últimos dois séculos de ocupação humana de origem europeo, o impacto ambiental da criação de gado, considerada a atividade econômica mais importante do Pantanal, parece ter sido mínimo.

Em essência, o projeto Hidrovia busca converter uma porção dos recursos hídricos, da manutenção de ecossistemas adequados para a criação de gado em baixa densidade e habitats silvestres diversos, para a manutenção de uma hidrovia interior para o transporte de bens e produtos, primariamente para exportação. Para esse fim, o projeto propõe a escavação de um canal, suficientemente reto e profundo para ser utilizado por embarcações oceânicas, indo até Cáceres, à montante do Pantanal.

O Alto Paraguai, da sua embocadura na confluência do rio Apa até a cidade de Corumbá (uma distancia de 590 km para montante), é geralmente reto e profundo bastante para a passagem de embarcações de grande porte, excluindo uns poucos locais onde alguma dragagem pode ser requerida se o projeto de navegação for implementado até Corumbá. Todavia, à montante de Corumbá, na direção de Cáceres (uma distância de 680 km), o rio é muito raso e em alguns locais muito sinuoso para que funcione efetivamente como uma hidrovia comercial durante todo o ano. Essa é a razão porque atualmente o tráfego fluvial entre Corumbá e Cáceres é quase inexistente. A retificação e aprofundamento artificiais do Alto Paraguai até Cáceres, irão proporcionar um canal de navegação, mas ao custo de substanciais perdas de água, sedimentos e nutrientes.

Como essas perdas irão se comparar aos benefícios do projeto (reduções esperadas nos custos de transporte) é uma questão que merece uma resposta clara e definitiva antes da implementação do projeto. Isso é particular mente crucial no caso do Pantanal, onde intervenções irreversíveis no canal natural (a remoção de soleiras rochosas) têm o potencial de desestabilizar o regime hidrológico. Os ecossistemas do Pantanal são extremamente complexos, e sua miríade de interrelacoes bióticas/abióticas somente agora estão sendo amplamente examinadas (Prado et al, 1994; Heckman, 1994; e outros). A menos que todos os custos sejam efetivamente incorporados na análise econômica, o curso prudente de ação é o de preservar o status proeminente do Pantanal como o maior e biologicamente mais diversificado alagadiço das Américas e do mundo.