Esta última Seção sumariza as conclusões deste estudo. Ela está dividida em três Subseções
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O Pantanal Matogrossense
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O Projeto Hidrovia
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Os Impactos Hidrológicos e Ambientais.
Cada Subseção sumariza os principais pontos estabelecidos neste estudo. Detalhes
adicionais podem ser encontrados nas respectivas seções deste relatório: o Pantanal
Matogrossense, Subseção 2.3 e Seção 3; o Projeto Hidrovia, Subseção 2.4; e Impactos
Hidrológicos e Ambientais, Seção 4. Uma Subseção intitulada "Conclusões Finais"
termina esta Seção do relatório.
5.1 O Pantanal Matogrossense
Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:
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O Pantanal Matogrossense é uma depressão inundada sazonalmente,
situada em sua totalidade na bacia do Alto Paraguai, compreendendo
136700 km² de área nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no
Centro Oeste Brasileiro. O Pantanal é um imenso e biologicamente diverso alagadiço,
posicionado geomorfologicamente e hidrologicamente para atenuar e reduzir o
escoamento superficial da bacia do Alto Paraguai.
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As formacões predominantemente do Precambriano Superior situam-se
sob extensos depósitos Quaternários, com significantes afloramentos
rochosos. Evidencias geomorfológicas revelam a presença de uma quantidade
substancial de atividade tectónica na forma de subsidência e subelevações (subsidence/uplift).
O leito do Alto Paraguai é controlado pela geologia prevalecente. O perfil
longitudinal do rio é convexo quando observado de cima, revelando a presença de
controles geológicos substanciais. Existem trinta e dois (32) afloramentos rochosos
documentados ao longo de 1270 km do rio, uma média de um a cada 40 km.
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O coeficiente de escoamento superficial anormalmente baixo do Alto
Paraguai em sua embocadura (um valor de 0.08) é um resultado direto de
sua interação hidrológica com o Pantanal. Esse último funciona como um
imenso reservátorio de superfície/subsuperfície o qual armazena água nos cenários
de tempo anual e multianual.
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O Alto Paraguai é muito eficiente em diminuir os picos de cheias e de
forma correspondente, aumentar as vazões de estiagem. A presença do
Pantanal fornece o mecanismo para a difusão das vazões de cheia e o aumento da
permanência das vazões de estiagem.
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Os registros hidrográficos em Ladário mostram a capacidade de
atenuação extremamente forte do Pantanal à montante desse ponto. Ao
longo de todo o período de registro (1900-95), a onda de cheia em Ladário tem sido
sempre unimodal (somente uma ascenção e uma recessão por ano).
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O Pantanal funciona não somente como um mecanismo atenuador para
vazões de cheia, mas também como um mecanismo de abstração para
todas as vazões, i.e., como um meio eficiente de armazenar a água que
seria escoada superficialmente, e ao invés convertê-la em evaporação e
evapotranspiração. Ao longo de milênios, esse processo tem sido responsável pela
sustentação do extraordinário potencial biótico do Pantanal.
O Pantanal é ainda uma superfície de acumulação de sedimentos, com um
ganho líquido anual de sedimentos e nutrientes.
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O Pantanal é extremamente fértil em diversidade de flora e composição
fisionômica. A diversidade de sua flora é devida a sua localização privilegiada,
cercada por quatro grandes biomas sul americanos: a floresta tropical Amazônica, as
savanas sub úmidas do Brasil Central, a floresta úmida Atlântica, e a floresta arbustiva
semiárida do Chaco. Sua composição fisionômica diversa é devida a sua variedade de
características geomorfológicas/topográficas.
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O Pantanal mantêm-se como um repositório único para uma variedade de
espécies silvestres, incluindo numerosas espécies de pássaros, peixes,
répteis e mamíferos. Muitas espécies habitam seletivamente os campos, elevações
de terreno com cobertura vegetal lenhosa (capões, cordilheiras), florestas de galeria, e
cursos d'água (baías, corixos, vazantes) do Pantanal. Tal biodiversidade
impressionante é devida, em grande proporção, aos cenários geológico, geomorfológico e
hidrológico, únicos do Pantanal.
5.2 O Projeto Hidrovia
Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:
O sistema Paraná-Paraguai tem sido utilizado como uma hidrovia para transporte
por vários séculos. O sistema fluvial compreende o Alto, Médio e Baixo Paraguai, e o
Médio e Baixo Paraná. Ele drena partes do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina.
Projeto da Hidrovia Paraná-Paraguai, conhecido localmente como a
Hidrovia, atualmente está sendo considerado para financiamento pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento.
A agência executiva para o projeto da Hidrovia é o Comite Intergubernamental
de la Hidrovía (CIH), uma agência organizada pelo governo dos cinco países que
têm jurisdição na hidrovia: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.
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O projeto Hidrovia implica em melhoramentos para a navegação ao longo
da hidrovia existente Paraná-Paraguai. O projeto considera extensas obras de
engenharia fluvial, incluindo retificação de canal, dragagem, remoção de soleiras
rochosas, e outras intervenções estruturais para tornar 3442 km do rio navegáveis por
embarcações oceânicas, do ponto mais a jusante em Nueva Palmira, Uruguai, até o
ponto mais a montante em Cáceres, Mato Grosso, próximo às cabeceiras do Alto
Paraguai.
Desde que o porto de Cáceres está localizado à montante do Pantanal
Matogrossense, espera-se que o projeto Hidrovia, se implementado com sua
concepção atual, irá ameaçar o status proeminente do Pantanal como o
maior alagadiço remanescente no continente Americano e no mundo.
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Em Fevereiro de 1995, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
comissionaram estudos de engenharia e impacto ambiental do projeto Hidrovia.
Esses estudos estão em andamento, com resultados esperados para fins de 1996.
Até esta data, o único documento compreensivo do projeto Hidrovia é o
relatório da INTERNAVE, completado em 1990 pela companhia brasileira
Internave. Esse relatório é essencialmente um estudo de viabilidade econômica do projeto
Hidrovia.
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Os aspectos físicos da Hidrovia proposta (retificação de canal, dragagem e
remoção de soleiras rochosas) são fontes de preocupação significativa entre
diversos segmentos de comunidades nacionais e internacionais, incluindo povos indígenas,
organizações ambientais, organizações não governamentais (ONGs), associações
profissionais, e universidades no Brasil, no continente Americano, e no resto do mundo.
A preocupação é que o projeto Hidrovia pode causar danos irreparáveis aos alaga
diços do Pantanal, um foco significante de biodiversidade no continente Americano.
5.3 Os Impactos Hidrológicos e Ambientais
Os seguintes pontos foram estabelecidos durante o curso deste estudo:
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Os melhoramentos propostos para a navegação (retificação de canal,
dragagem e remoção de soleiras rochosas) terão um impacto substancial no
regime de cheias no Alto Paraguai. O grau do impacto deverá variar de
pendendo do tipo e extensão da intervenção, e da sua localização ao longo do rio.
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Durante cheias médias altas (2 anos), extraordinárias (4 anos) e
excepcionais (10 anos), a retificação do canal irá acelerar a concentração do
escoamento e aumentar o pico da onda de cheia em Ladário.
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O Alto Paraguai à montante de Porto São Francisco (localizado a 146 km
à montante de Corumbá) é incapaz, sem extensos aprofundamentos
artificiais de seu canal, de acomodar embarcações oceânicas (com um
requerimento de 3 m de calado) ao longo do ano. A planejada extensão de um canal
de navegação de 3 m por todo o rio até Cáceres irá requerer grandes intervenções
no canal natural.
O Alto Paraguai está sujeito ao fenômeno de autodragagem. Ajustando a
forma e configuração de seu leito, o rio é capaz, durante vazões de estiagem, de
reduzir sua descarga enquanto mantém uma cota aproximadamente constante (e
profundidade mínima). No rio Alto Paraguai, essa profundidade mínima é de 1.2 m,
exceto onde os afloramentos rochosos não permitem que a autodragagem se
processe. Até ao ponto em que essa profundidade mínima é violada em muitos
lugares, pode-se concluir que a declividade do Alto Paraguai é geologicamente
controlada.
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A remoção de soleiras rochosas como meio de aprofundar o canal de
navegação irá causar um impacto irreversível na hidrologia do Alto
Paraguai. Essa é a mais significativa intervenção planejada; se levada a cabo,
certamente modificará o Pantanal para sempre.
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Cartas de navegação mostram que o rio tem sido capaz de escavar um
canal suficientemente profundo através da maioria de seus afloramentos
rochosos. Ainda, em outros locais, onde a profundidade é mais rasa porque
soleiras rochosas estendem-se para o canal, o rio ainda não escavou uma passagem. O
Pantanal existe por causa dessas soleiras rochosas, as quais influenciam os padrões
de escoamento regional em Amolar, Porto da Manga e Fecho dos Morros.
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Cálculos de curvas de remanso confirmam que mudanças relativamente
pequenas na profundidade do leito, as quais necessariamente ocorreriam
como resultado da remoção das soleiras rochosas, podem afetar a
hidráulica fluvial de montante em uma extensão muito maior do que
previamente antecipado. As soleiras rochosas agem como represas naturais; se elas
forem removidas, extensas áreas do Pantanal não serão mais sujeitas a inundação
sazonal.
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A remoção de uma soleira rochosa poderá ainda levar ao aparecimento de
outra soleira rochosa a qual estava previamente submersa. Esta é uma
possibilidade distinta no Alto Paraguai, onde a ocorrência dos afloramentos rochosos a
cada 40 km em média tem sido documentada, e onde as declividades predominantes
do canal são tão suaves que o efeito de remanso de uma obstrução ou protuberância
de 0.5 m pode ser sentida por cerca de 400 km para montante.
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É esperado que as modificações do canal irão desestabilizar o regime de
escoamento de base e irão demandar futuras intervenções adicionais no
rio para continuar a manutenção do calado mínimo requerido, i.e., irá
colocar em movimento um círculo vicioso de intervenções no canal.
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A aceleração da concentração do escoamento superficial causada pelas
melhorias para a navegação irá intensificar as cheias médias altas, extraordinárias
e excepcionais, potencialmente reduzir o intervalo de recorrência dos períodos de
seca, e pode eventualmente causar mudanças climáticas regionais no sentido de
maior aridez.
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Picos de cheias extraordinárias e excepcionais no Alto Paraguai serão
sentidos prematuramente a jusante, em Assunção, no Médio Paraguai, e
em Corrientes, no Médio Paraná. A extensão precisa desse efeito permanece a
ser determinada por análises posteriores.
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Mudanças no regime de escoamento superficial do Alto Paraguai são
passíveis de conduzir a aumentos substanciais no albedo médio. Em outras
partes do mundo, as evidências (circunstanciais e experimentais) estão se acumulando
para associar aumentos no albedo médio a mudanças climáticas no sentido de maior
aridez. O Pantanal não é imune a mudanças climáticas, as quais têm ocorrido no
passado geológico; o ponto a ser enfatizado é a taxa da mudança climática. Hoje é
largamente aceito que mudanças climáticas resultantes de ações antrópicas são
possíveis, e que elas podem ocorrer em décadas, ao invés de milênios.
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O Pantanal existe devido ao fato de que seus cenários
climático/ geológico/ geomorfológico o condicionam a reter água, sedimentos e
nutrientes. Modificações no pulso de cheia anual irão causar mudanças bióticas e
abióticas no Pantanal. Aumentos na magnitude das cheias irão resultar em perdas
crescentes de sedimentos e nutrientes.
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A inundação anual de extensas áreas do Pantanal serve ao propósito
duplo de efetivamente controlar o esgotamento das pastagens e repor nutri
entes frescos para o solo. Mais importante ainda, o pulso de cheia sazonal é
fundamental para a manutenção dos campos, desde que tipos competitivos de
vegetação, particularmente as espécies lenhosas, não são bem adaptadas a alternações
extremas de saturação e dissecação.
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Mudanças no regime hidrológico resultando em cheias e secas exacerbadas
irão comprometer a reposição de nutrientes e provocar reduções na
produtividade biótica. Essas mudanças irão produzir uma sucessão de espécies
herbáceas para lenhosas, o que irá mudar o caráter dominante do Pantanal, de
floresta mista de savana (ou savana parque) para florestas mais mésicas. Os campos
abertos serão reduzidos, e isso terá um impacto negativo na atividade da pecuária.
5.4 Conclusões Finais
É esperado que o projeto Hidrovia tenha um impacto hidrológico e ambiental
significativo no Rio Alto Paraguai e principalmente no Pantanal Matogrossense. Este último é
uma região terrestre única, onde uma combinação incomum de localização continental,
clima, geologia, geomorfologia e hidrologia de superfície e subterrânea, têm contribuído,
através dos milênios, para o estabelecimento de um delicado balanço ecológico. Ao
longo dos últimos dois séculos de ocupação humana de origem europeo, o impacto
ambiental da criação de gado, considerada a atividade econômica mais importante
do Pantanal, parece ter sido mínimo.
Em essência, o projeto Hidrovia busca converter uma porção dos recursos
hídricos, da manutenção de ecossistemas adequados para a criação de gado
em baixa densidade e habitats silvestres diversos, para a manutenção de uma
hidrovia interior para o transporte de bens e produtos, primariamente para
exportação. Para esse fim, o projeto propõe a escavação de um canal, suficientemente
reto e profundo para ser utilizado por embarcações oceânicas, indo até Cáceres, à
montante do Pantanal.
O Alto Paraguai, da sua embocadura na confluência do rio Apa até a cidade de
Corumbá (uma distancia de 590 km para montante), é geralmente reto e profundo bastante
para a passagem de embarcações de grande porte, excluindo uns poucos locais onde
alguma dragagem pode ser requerida se o projeto de navegação for implementado até
Corumbá. Todavia, à montante de Corumbá, na direção de Cáceres (uma distância de 680
km), o rio é muito raso e em alguns locais muito sinuoso para que funcione efetivamente
como uma hidrovia comercial durante todo o ano. Essa é a razão porque atualmente o
tráfego fluvial entre Corumbá e Cáceres é quase inexistente. A retificação e
aprofundamento artificiais do Alto Paraguai até Cáceres, irão proporcionar um canal
de navegação, mas ao custo de substanciais perdas de água, sedimentos e
nutrientes.
Como essas perdas irão se comparar aos benefícios do projeto (reduções
esperadas nos custos de transporte) é uma questão que merece uma
resposta clara e definitiva antes da implementação do projeto. Isso é particular
mente crucial no caso do Pantanal, onde intervenções irreversíveis no canal natural (a
remoção de soleiras rochosas) têm o potencial de desestabilizar o regime hidrológico. Os
ecossistemas do Pantanal são extremamente complexos, e sua miríade de interrelacoes
bióticas/abióticas somente agora estão sendo amplamente examinadas (Prado et al,
1994; Heckman, 1994; e outros). A menos que todos os custos sejam efetivamente
incorporados na análise econômica, o curso prudente de ação é o de preservar o status
proeminente do Pantanal como o maior e biologicamente mais diversificado alagadiço
das Américas e do mundo.
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